sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

A MANIFESTAÇÃO DA JUSTIÇA DE DEUS NA CRIAÇÃO

Capítulo I - A MANIFESTAÇÃO DA JUSTIÇA DE DEUS NA CRIAÇÃO
1.1. A Criação: manifestação da justiça de Deus.


Deus disse: ‘Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie: animais domésticos, répteis e feras segundo sua espécie e assim se fez. Deus fez as feras segundo a sua espécie, os animais domésticos segundo sua espécie e todos os répteis do solo segundo sua espécie, e Deus viu que isso era bom. Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra. Deus criou à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher. Deus os abençoou e lhe disse: Sede fecundos multiplicai-vos, enchei aa terra e submetei-a, dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou, (Gn 1, 24-27).


Deus interrompe o silêncio do cosmo por ele criado e o substitui pelo fluir das águas em movimento que nos mostrará na história um mundo ordenado, evento atribuído à presença e ação de Deus como Senhor da criação que tudo invade e penetra (cf. Sr 1.9; Sb 1.7).[1] Nesta ação criativa, a tônica da manifestação da justiça na criação é o estabelecimento da ordem, em que Deus quer mostrar que com a sua presença a natureza se coloca a serviço do ser humano. Essa realidade assume o caráter de uma ordem sapiencial, que norteia para os aspectos de harmonizar e humanizar a existência de toda a criação através da realização plena da pessoa quando busca o bem e se afasta do mal. A justiça neste contexto é a realização do destino que Deus quer para o ser humano; este querer dá uma ordem ética à vida humana, pois foi criada à imagem e semelhança de Deus. Assim Deus demonstra na criação os seus propósitos. A criação é posta por Deus a serviço de um desígnio histórico: a Salvação.
O texto do livro de Gênesis (1,24-26)[2] expõe uma reflexão histórico-teológica do redator Sacerdotal, que através do relato, da criação fundamenta, legitima e universaliza a fé no Deus da história da salvação. E vincula Israel como uma espécie de prelúdio da história das intervenções salvíficas de Deus em favor de Israel e a humanidade toda. O redator sacerdotal também procura através do relato da criação avivar a fé dos exilados no Deus das promessas bem como levantar o ânimo e infundir coragem, preparando o caminho para o retorno à pátria e para a futura restauração.
O que percebemos de importante na obra do redator sacerdotal é a presença de um Deus que usa de plena liberdade para criar, - do Hebraico bãrã - e nesta liberdade acontece a dimensão dialógica inerente à relação entre Criador e criatura.
As criaturas por Ele criadas não são seres sem vida e estáticos, porém possuem uma ordem vital que podemos apresentá-las como sendo o sinal do amor criador de Deus. Com efeito, o mundo criado precede ao ser humano e possui uma densidade própria.[3] Essa densidade é determinada pela potência da palavra divina, que na sua ação criadora chamou o mundo à existência. Para isso, se pode observar na literatura salmística onde há afirmação de poder na palavra divina. (Sl 33,9): [...]. Porque ele diz e a coisa acontece, ele ordena e terra se afirma [...]. Porém essa densidade não tem um domínio moralmente obrigatório, mas apenas para determinar a existência do espaço [4] entre a “Luz e Treva”.
Contudo a densidade determinante é Deus que através de sua Palavra e do seu Espírito dá forma e vida às coisas.[5] Como também pela a presença do Espírito de Deus no ser humano o torna participante do seu amor, e também o conduz a crer na promessa de uma esperança de salvação, e o mesmo Espírito conduzirá a humanidade a viver em plena harmonia pela justiça.[6]
A justiça de Deus manifestada na Criação é, por si o próprio ato do seu criar que norteia o seu propósito a realizar a criação como desígnio salvífico para o qual conduz a um fator determinante: em que Deus quer manifestar e comunicar pela revelação a sua pessoa e os decretos eternos da sua vontade a respeito da salvação, para que a humanidade possa participar dos bens divinos. [7]
Segundo o teólogo Alfonso Rubio Garcia,

O Antigo Testamento, no seu conjunto, não está preocupado com o homem considerado em si mesmo. O que realmente interessa é a relação de Deus com o homem concreto, situado historicamente. E interessa o homem referido a Deus na sua relação – positiva ou negativa – com Ele [...]. A presença e a
atuação de Deus são experimentadas em todo tempo e em todo lugar: Deus está no centro da realidade toda [...]. Com efeito, na Sagrada Escritura Deus não é focalizado em si mesmo, mas sempre na sua relação com os seres humanos, de maneira eminentemente dialógica. Assim, porque a intenção bíblica é prioritariamente teocêntrica, justamente por isso, também é radicalmente antropocêntrica. Decerto, esta afirmação só pode ser compreendida na perspectiva de uma estrutura mental em que predomine a relação de integração-inclusão. [8]


O que sabemos é que criação humana é a última obra da criação divina, e que o ser humano não surge a partir de uma palavra criadora, mas a partir de uma decisão especial de Deus que determina a si mesmo como criador de sua imagem. E isto dimensiona essa decisão ao sentimento de relação interpessoal que surge em Deus a necessidade de determinar a criação do ser humano, pois, Deus sente a vontade de compartilhar com um outrem a sua condição de criador.
O teólogo Salvador Verges elabora a questão de relacionamento afirmando que:

À comunicação de Deus parece ser uma comunicação nova estabelecida entre Deus e o homem. Neste sentido podemos observar que este querer comunicar dá-se a nível pessoal e comunitário. No primeiro sentido há uma referência de um à procura do outro, criando o espaço da participação de uma mesma amizade que com certeza se encontra no mesmo amor inovador de Deus. [9]

O mesmo teólogo descreve que o amor do ser humano é diferente do amor de Deus, porque Deus cria a partir da sua própria vontade, e o homem ama o que já existe. Seu amor não pode ser criador. Enquanto o amor divino, diferentemente, infunde a bondade na realidade que cria. Isto é, o amor de Deus é eficaz, ama comunicando a existência.[10]
Antes da criação do homem, Deus está “só” com seu céu, sua terra e com seus animais, porém privado de relação. Percebendo a “ausência” de uma relação, Deus decide criar o homem e este se torna o ser vivo parceiro de Deus. Que será constituído tal, só quando tiver recebido em suas narinas o h;Ww - do Hebraico - ruah, hálito de vida (Gn 2,7) que é entendido como algo que promana unicamente de Deus. Só assim o homem Adão começa a viver da mesma vida de Deus numa referência relacional indivisível[11]. Com essa decisão Deus destaca a grandeza da pessoa humana na glória e a sua dignidade, sobrepondo-a a toda criação (Sl 1.5-7).
Segundo os relatos soteriológicos Israel não se relacionará com Deus senão através de sua experiência humana e religiosa, porque é a partir da intervenção de Deus na história do povo que acontecerá o desenvolvimento da consciência de ser um povo eleito, e esta consciência será iluminada com o conhecimento de que Deus é um Deus que promove a libertação dos cativos. Assim, é através da ação libertadora e salvífica de Deus na história de Israel, que o povo descobre que Deus é o Criador de sua existência humana. Neste contexto o ser humano é chamado, com a criação e mediante a interpelação de Deus após de conceder-lhe o seu Espírito, a responder à relação interpessoal, indicada na preposição de ser imagem do seu Criador. Neste caso podemos dizer que o ser humano é imagem de Deus pela sua estrutura dialógica e pela sua capacidade de ser responsável. E que essas qualidades o distinguem de todos os outros seres da criação, (Sr 17,2-3.6). De acordo com o teólogo Andrés I. Arana em seu livro: Para compreender o Livro do Gênesis, a respeito da semelhança o autor diz:

A semelhança está naquilo que faz com que, vendo o homem (sua sabedoria, sua capacidade de decisão, seu domínio da criação, sua bondade, seu amor), vislumbremos Deus e reconhecemos seu rosto, uma vez que o tenhamos conhecido (cf. Gn 2,19 J; Sl 8; Eclo 17,1-14). Assim, toda essa dignidade espiritual do homem se reflete no seu rosto, espelho da alma, em seus gestos, em sua palavra, que não é um espírito puro. Por isso, quando Deus aparece em um rosto, numa figura humana. Não há nada que se pareça tanto com Deus como o rosto de um homem, quando este rosto não está desfigurado pelo pecado. [12]

A eleição fará Israel diferente ante todos os demais povos. Mediante essa consciência de ser um povo eleito, o teólogo Juan Riuz de la Peña, expõe que o redator sacerdotal, em Gn 1,26-27, quer testificar essa consciência de forma contundente ao dizer que:

A ação criadora de Deus chega a seu clímax com a criação do homem, que passa a ser o ponto da referencia de relação entre Deus e sua criação. A criação é coroada com o surgimento de um co-criador; o mundo saído das mãos de Deus não é uma magnitude fechada e concluída, agora passa às mãos do homem para que ele o aperfeiçoe e dirija até o seu fim. Apesar disso, por mais semelhante que Deus tenha feito o homem, em última instancia ele não é senão sua criatura.[13]


Em sua criação Deus manifesta a dimensão relacional de seu sentimento para com a sua obra criada e por este sentimento Deus, chama todas as coisas à vida, e dá o seu Espírito ao ser humano para que este participe como ser transformador do mundo para que este seja pleno de amor e de relações justas.

1.2 O Pecado: ruptura das relações de justiça entre o ser humano e Deus.

No relato da criação, Deus diáloga com a humanidade com uma condição: Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comereis, porque no dia em que comerdes tereis que morrer (Gn 2,17). Neste dialogo entre Deus e a criação humana, a liberdade é dada e por ela a possibilidade da pessoa ser tentada e tomar decisões erradas. [14] Deste modo, como o pecado e a força do mal estão presentes desde o início da história da criação da humanidade, o que podemos dizer é que são conseqüências do uso da liberdade, por si só, sem que haja uma interação da pessoa com o divino, isto é, o ser humano esquece do princípio ético da lei que lhe é colocado como condição de uma vivência de relações interpessoais, e promove a injustiça quando mata o irmão gerando todo mal e toda desordem nas devidas relações. Caim se converte em modelo de todo àquele que, por ter matado um homem seu irmão, tem de viver à margem da sociedade (cf. Gn 4,8-12). [15]
A raiz do pecado original está no momento em que o ser humano insuflado pela presença do mal em figura de serpente suscita na humanidade a ânsia do incompreensível e ilimitado e, por conseguinte, uma esfera de ação independente e liberta de Deus para contentar-se a vida toda, como criatura, em face da condição que lhe foi concedida de reinar sobre todas as outras criaturas.[16] A humanidade ao se rebelar contra Deus o desconhece voluntariamente e substitui o bem supremo por um bem limitado, com isso, o ser humano perde o dom mais precioso de sua vida, sua liberdade pessoal, sujeitando-se à injustiça degradante, que o tira de participar do amor divino.
O pecado constitui uma ruptura do sistema de relacionamento interpessoal. Isto é, o pecado leva a um fechamento do eu, em não querer doar-se para outro.[17] Com o pecado a humanidade lançou fora a perspectiva da contínua presença da relação integração-inclusão que havia entre Deus e sua criação. Entretanto com o rompimento dessa relação o ser humano se auto-exclui do Jardim do Édem (Gn 3.23). Com essa atitude, o pecado transforma-se em desgraça para a pessoa e também para o outro, pois pela negação de sua limitação existencial e pelo pecado o ser humano se nega a viver em comunhão de relacionamento com Deus e com o outro. O pecado é um atentado contra a soberania de Deus. Enfim, o pecado do ser humano transformou o paraíso em um vale de lagrimas, e este mesmo pecado pertence à história da humanidade, não a sua criação.[18]
Porém, através da resposta do ser humano à participação na comunhão do amor de Deus ele volta a se fazer presente com toda a sua totalidade, como indivíduo e como ser comunitário. Esta realidade salvífica o revelará também a necessidade da sua participação no processo de sua própria transformação. Pois, acontecendo este fato, cuidará o homem e a mulher, através do seu trabalho de engajar-se na luta levados pelo espírito de justiça para transformar a sociedade na qual ambos participam. Assim, o novo mundo que o ser humano assumirá em construir, na tentativa de redimir-se com o seu Criador, deve estar baseado nos princípios éticos e embasado na prática da justiça, sem perder de vista a presença do Espírito de Deus presente na humanidade e no mundo.

1.2.1 O Perdão: renovação da aliança pela prática da justiça

Israel, como povo escolhido, e que por tantas vezes desobedeceu ao seu Deus, lamenta sobre a cerca derrubada. Pois o jardim está vazio, o ser humano foi expulso do paraíso porque pecou contra Deus. Israel clama a seu Pastor no salmo 80, 2,13, 14. [...]. Pastor de Israel dá ouvido. Por que lhe derrubastes as cercas, para que os viandantes a vindimem, e os javalis das florestas a devastem, e as feras do campo a devorem? [...].
Em sua totalidade este salmo trata de um pedido de perdão. Como também neste mesmo contexto podemos citar os versículos do mesmo salmo (4,8 e 20) que na sua oração de arrependimento Israel pede a Deus, o Deus dos Exércitos, que volte atrás em sua decisão e faça-os voltar. A realidade que envolve o sentimento de arrependimento, de acordo com o teólogo Carlos Antonio é:

[...], subjacente à idéia de culpa onde se insere o sentimento de pertença a um determinado ordenamento que o ser humano transgrediu, por isso sente-se culpado. A culpa vem das transgressões das leis que regem e que ele deliberadamente viola. Assim, o arrependimento surge como resposta exigida pela culpa. [19]


O ritual da renovação da aliança pela prática da justiça é marcado pelo grande gesto da ação libertadora de Deus em favor do povo, quando Deus aceita o arrependimento do ser humano e o tira de situações humanamente desesperadoras para introduzi-lo em novas condições de liberdade. O que podemos frisar nesse contexto é toda vez que um pobre lança um apelo de liberdade ao céu por uma injustiça sofrida, Deus, o juiz supremo, o escuta: Se clamar a mim, eu o ouvirei porque sou compassivo (cf. Ex 22,26). O teólogo G. Ravasi, em seu livro: Êxodo afirma que:

Na raiz da esperança de Israel e da amorosa intervenção de Deus há um dado teológico fundamental, formulado claramente no versículo 4,22: ‘Assim falou Iahweh: O meu filho primogênito é Israel’[...].O Êxodo é a primeira etapa deste apaixonado interesse de Deus por sua criatura predileta, para que jamais ela lhe seja alienada na escravidão e na morte. Por isso, o Êxodo é a celebração da redenção (ga´al) como obra de solidariedade divina em relação ao homem. [20]

O Criador revela-se então como o Deus libertador e no Deus que promove a justiça.
Pois, somente na noite da libertação Israel pôde celebrar a Páscoa. E com isso, o ser humano, livre interior e socialmente, pode ser novamente reconhecido como uma humanidade que encontra no seu Deus a vida em plenitude. Após o pecado da transgressão, a Páscoa é, por si, a manifestação máxima da adesão única do ser humano ao Deus vivo, abandonando a escravidão e a idolatria; a Páscoa é a manifestação máxima da fé e do amor do ser humano livre pelo Deus da liberdade. [21]
Este feito é obra genuinamente divina, onde podemos determiná-lo como o chamado de “maravilhas de graças”, que pode ser encontrado em todos os eventos do mistério salvífico.
Para o teólogo Carlos Richetta, os eventos salvíficos na história da salvação, diante das adversas atitudes do ser humano para com o seu Criador, mostram que:

O Deus da revelação bíblica não é somente o Deus que cria, chama e liberta, é ao mesmo tempo e de forma eminente o Deus que faz aliança. Do principio ao fim, a história da salvação é a história das sucessivas alianças (Berith) de Deus com o homem: aliança noática, aliança abrâamica, aliança mosaica, aliança profética, aliança crística, aliança eclesial-sacramental e aliança escatológica. [22]

Tais eventos promovidos pelo Deus Criador são sempre na tentativa de querer conduzir a humanidade pelo caminho mais viável para a salvação.
O importante nesta realidade é observar que o ser humano reconhece que a graça de Deus é gratuita e que não é desprovida de um objetivo. Neste ponto, a graça divina tem por objetivo principal o retorno da pessoa à prática da justiça e esse retorno exige um gesto de reconhecimento em que espera da humanidade uma resposta a qual acontece na absorção inteira do amor de Deus em sua vida, pois, a graça de Deus quer parceria, quer um intercâmbio, uma comunhão.
Para compreender, à luz da tradição neotestamentária, a ação de Deus na história humana, a dinâmica cristã assumiu, através do relato da criação, que a pessoa é amada por Deus desde toda a eternidade (Ef 1,4s), e que tem seu futuro plenificado em Jesus. Com isso, cada pessoa, cada comunidade tem sua origem em Deus e nenhuma realidade será eliminada por Deus, a não ser por deliberação de auto-exclusão. Assim, o evangelista João escreve à sua comunidade afirmando que em Jesus Cristo, Deus não condena a nenhum dos seus filhos, mas a Ele Deus confiou a missão do julgamento, porém quem nele crer tem a vida eterna e não vem a julgamento, (Jo 5,21-22), e continuando o seu discurso sobre o julgamento João acrescenta: Vós julgais conforme a carne, mas eu a ninguém julgo, se eu julgo, porém, o meu julgamento é verdadeiro, porque eu não estou só, mas comigo está o Pai que me enviou [...] (Jo 8,15-16; 3,17,50).
E a humanidade como a comunidade de verdadeiros irmãos criada por Deus, apresentada pelo evangelista João, percebe que a sensibilidade de Jesus para com o pecador, e sua emoção perante o sofrimento, mostra a grandeza da ternura e da misericórdia do Deus do Antigo Testamento que procura manifestar para todos a sua justiça pela aceitação do ouvir e do atender o clamor do seu povo, quando envia homens e mulheres profetas para revitalizar e animar a fé da humanidade em seu Criador.

1.3. O Profetismo: justiça de Deus, esperança da salvação.

Segundo a visão veterotestamentária, a luta contra o pecado é uma batalha contínua, pois do meio do povo de Israel Deus fará surgir profetas, homens que falarão com autoridade, os quais são comparados a Moisés (Dt 18,15-18). Os profetas quando comparados a Moisés não são despersonalizados, porém cada um age conscientemente em suas responsabilidades. Fatores que determinam o elemento verdadeiro e decisivo da missão profética: a mensagem na preparação de algo novo; a promessa igualmente incondicional da salvação (Ez 37), em que no seu ápice culmina na vinda de Deus (Is 40,1-10).[23]
Os profetas são grandes defensores da aliança, suas vidas foram marcadas por uma íntima e autêntica experiência divina que em plena consciência ouviram, observaram e responderam através de testemunhos o chamado de Deus para conduzir ao verdadeiro caminho ao qual o povo fora chamado. Nesta intimidade com Deus, os profetas, os sentinelas do povo, denunciavam o pecado de Israel, chamando à penitência e à conversão, através do seguimento da justiça, mediante as reivindicações de Deus para que liberte o ser humano do mal e que, por uma conduta reta, chegue à salvação.
Segundo o biblista Mckenzie, a justiça é uma justa reivindicação ou direito, como também é o próprio direito para reafirmar a inocência. [24]
Por sua vez, os profetas não estavam preocupados com o pecado das origens, mas com o pecado existente no contexto sócio-religioso, por exemplo, acusavam a sociedade de não distribuir justiça para todos, pois, Deus a todos conduziu para a liberdade (Am 2,6-7). Diante dessa realidade, o profeta Amós condena o uso da força mais que o direito, como também a sociedade que se encontrava corrompida pela desonestidade, e como conseqüência dessa atitude o homem se esquece de Deus.
O conhecimento de Deus na tradição veterotestamentária pede confiança e fidelidade. Neste caso Israel peca contra a Aliança por não praticar a justiça. Os documentos deuteronômicos apontam que a não observância da Lei como justiça é não querer viver o Espírito do amor de Deus (Dt 10,12-22). Com isso, o profeta percebe a distribuição desigual de bens que reforça a prática da injustiça, situação que prejudica e massacra a vida do outro. Para o profeta Isaias a perversão da justiça trás o pecado para Israel (Is 5,20), levando ao enorme perigo de perder as bênçãos da aliança. Pois a ordem na qual se apóia a salvação do mundo fora rompida, e o ser humano afastou-se de Deus, enquanto Deus fez secar as fontes da vida nas quais o direito e a justiça são abatidos (Am 5,24; 6,12). Olhando a realidade, o que importava era à volta à aliança, pois o pecado não é a mera transgressão de um preceito, mas um atentado contra a aliança, infundida na relação interpessoal do amor entre Deus e a criação. Olhando sob os aspectos sociais que dimensionam o gesto do amor relacional de Deus com a criação pela justiça, percebemos que este gesto foi elaborado de maneira elementar por Moisés quando se referem ao povo dizendo:
Aquele que esteve conosco para nos salvar da escravidão do Egito, esse será nosso Deus. E se ele é nosso Deus libertador, nós seremos seu povo e nos comprometemos a viver segundo algumas leis justas que mantenham nossa condição de povo libertado (Dt 26,3-10).

A aceitação da soberania de Deus levará à consolidação do lema profético: só o Senhor é Deus. [25]
Segundo o autor J. D. Crossan, em seu Livro O nascimento do Cristianismo, em consonância com o pensamento anterior, o Deus judaico exigia o direito e a justiça levando em consideração a igualdade para todos, pois o deus pagão Baal supunha uma sociedade menos igualitária e, mediante esta condição, a existência de divindades diferentes geram monarquias diferentes e estas argumentavam direitos e justiças diferentes. [26] Daí se têm uma visão teológica do conceito da falta de justiça e de lealdade, que se expressa pelo atentado contra o projeto de Deus e contra a aliança que o povo tinha estabelecido com Deus (Mq 6 e 7). Sendo assim, a tradição profética delineava o indicativo de que o pecado é uma recusa de Deus e uma perversão do próprio homem, que na dimensão social gera um estado de exclusão. Segundo os profetas, ludibriar os direitos do pobre é pecar contra Deus.[27] Como também, os profetas apontavam para o povo, um Deus justo, e longe dele o ser humano se desestrutura como pessoa e como sociedade (Jr 13,23).
O teólogo Marciano Vidal, entendendo essa situação de exigir a prática da justiça como um meio de consolidação da soberania de Deus, apresenta neste contexto uma visão de que a ética será apresentada como vida e obediência às mesmas leis que brotaram do desejo de criar uma sociedade na qual até os menos indefesos tivessem assegurado seus direitos. As normas justas foram também uma garantia de liberdade, pois impediam que a sociedade israelita fosse mais uma entre as sociedades faraônicas que dominavam o mundo então conhecido. Para isso, a legislação mosaica defendida pelos profetas impedia que Israel se convertesse num povo como os demais. [28] Associando a essa realidade, o teólogo Adriano Sella expõe que:

O profeta Malaquias apresenta a preocupação pela função social da religião, do culto, do sagrado, do sacrifício, do puro e do impuro, na defesa e na organização do povo. Malaquias usa uma imagem muito forte para manifestar a justiça de Deus: a vinda do sol da justiça (3,20) para restabelecer a justiça e o direito. Deus é quem tem a força de transformar a vida injusta do seu povo, através da certeza da libertação futura (cf. Ml 3,19-21). [29]

Enfim, esclarece o teólogo que os profetas revelam onde se encontram as raízes do mal da injustiça social; estas se encontram no coração do homem e no interior das instituições sociais. No primeiro ponto o ser humano manifesta esse mal através da ganância do querer e do ter mais (Is 2,7-8 // 5, 8). No segundo ponto a injustiça acontece quando as instituições são dirigidas por pessoas irresponsáveis e fraudulentas (Is, 1,17).[30]
Indiferente ao pecado das origens, os profetas acentuam suas preocupações em favor da justiça social, como compromisso de construir uma sociedade solidária como meta para a realização da salvação de Deus que pede à pessoa humana que volta para Deus através do seu perdão que cura e purifica (Sl 51,4). E com isso, Deus selará com o homem uma nova aliança que não pode ser quebrada, (Jr 31,34b). Dessa maneira o profeta apresenta de maneira clara o tipo de relacionamento que deve existir entre Deus e a humanidade, e que este deve ter uma profunda expressão de amor e compromisso de fazer justiça até que o reino de Deus esteja presente de fato com a vinda do Messias em vista do reino escatológico para a cidade celestial.
Contextualizando o movimento profético à luz da comunidade mateana, Jesus é a esperança da salvação.
Mediante a realidade em que vivia a comunidade, o evangelista Mateus evidencia a profunda crise existente na época de Jesus, entre a sua comunidade e a comunidade judaica, esta crise conduz a uma polêmica, até mesmo a uma perseguição, pois, o grupo judaico não aceitava a nova perspectiva profética que se estabelecia em Jesus, tendo em vista às mudanças que estavam acontecendo. Segundo Guy Bonneau, em seu livro: Profetismo e Instituição no Cristianismo Primitivo, que de fato em Jesus se realizam as profecias messiânicas gerando o motivo da não aceitação pela ordem religiosa estabelecida, pois devido:

A maneira como a vinda e a obra de Jesus acontece indica a realização das profecias messiânicas: pelo seu nascimento (Mt 1,22-23 // 2,6.5.17-18.23), sua entrada na Galiléia (Mt 4,14-16), suas curas (Mt 8,17) sua compaixão (Mt 12,17-21) seus ensinamento em parábolas (Mt 13,35) sua entrada em Jerusalém (Mt 21,4-5) e sua paixão (Mt 26,56 // 27,9-10). [31]

O evangelista Mateus apresenta essas citações proféticas à comunidade para confirmar a autoridade e a oposição de Jesus em relação à ordem estabelecida, como também dentro da própria comunidade. Isto realça a importância da explanação de que a origem humana de Jesus está dentro do plano divino e, portanto, confirma sua escolha por Deus para que ele salve o seu povo (Mt 1,21).[32]
Assim como a obra do Deuteronômio anuncia a vinda de um profeta como Moisés, Mateus estabelece uma ligação direta entre as tradições a respeito de Jesus e as profecias antigas. O evangelista situa a atividade de Jesus na linhagem dos profetas incompreendidos e perseguidos por toda estrutura política, social e religiosa. Mateus relata que o próprio Jesus se vê como um profeta que não é reconhecido em sua pátria, frente à ordem estabelecida. A opinião pública, por sua vez, vê nele João Batista, Elias, Jeremias ou um dos profetas (Mt 16,14). Já a multidão confirmava-o como profeta quando dizia: Este é o profeta Jesus, o de Nazaré da Galiléia, (Mt 21,10-11). Porém, observando o comportamento da multidão para com Jesus, os sacerdotes e fariseus ficam com medo de atentar contra a sua vida (Mt 21,46).
Neste contexto, o evangelista confirma o que os profetas antigos anunciavam ao povo da antiga aliança de que o Deus Criador se encarnaria na história e haveria de restabelecer a justiça entre as nações. Para Mateus, a concretude do Reino de Deus na pessoa de Jesus acontece na sua própria vida e em suas obras, e no homem quando este se mostra aberto e se insere na dimensão ética da adesão ao Evangelho, que se define na promoção da justiça (Mt 5,17). Há um público escolhido por Deus, os menos favorecidos. Com isso, Mateus respalda a imagem do pastor supremo que tomou a seu cuidado o pobre, e dirige a todos os dirigentes de comunidades que se quiserem herdar o Reino de Deus devem vigiar sem cessar as suas ovelhas e ensinar corretamente a Lei. Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus (Mt 5,20).[33]
Portanto, para o evangelista Mateus a função profética e salvífica de Jesus está no nível de seu papel de legislador, devido a seu discurso sobre a observância da Lei. Para a comunidade mateana, em Jesus Cristo se encontra uma nova maneira de praticar a Lei que não caduca a antiga. Assim, aquele que crer no Mestre e Profeta recebe o seu ensinamento, segue-o passo a passo na fé, torna-se eventualmente seu discípulo e procura praticar perfeitamente a Lei.[34] O pecado pode ser vencido. Não será, porém, só pelo esforço moral do homem, mas pela intervenção divina na história humana.[35]





















Capitulo II - JESUS CRISTO: A REVELAÇÃO DE DEUS NA EXCLUSÃO

2.1. Encarnação: a justiça salvadora e libertadora de Deus.

Em princípio, o que temos a dizer sobre Jesus Cristo é que Ele é o mistério da revelação de Deus.


Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cf. Ef 1,9), mediante o qual os homens por meio de Jesus, Verbo Encarnado, têm acesso no Espírito Santo ao Pai e se torna participante da natureza divina (Ef 2,18; 2Pd 1,4). Com efeito, em virtude desta revelação, o Deus invisível (cf. Cl 1,15; 1Tm 1,17), na riqueza do seu amor, para falar aos homens como a amigos (cf. Ex 33,11; Jo 15,14-15) e conversar com eles (cf. Br 3,38) para os convidar e admitir à comunhão com ele (DV 1).


Com tudo isso, o mistério da encarnação não se deu, pois, em determinado ponto do espaço e do tempo, abrange toda a vida histórico-humana de Jesus Cristo, para justificar a universalidade da salvação, pois nele, apresenta-se a realização e a plenitude, tornados escatológicos, para onde se convergem os demais acontecimentos históricos, mediante a ação reveladora de Deus. O mistério da encarnação é o início do Pleroma dos tempos. Assim como Deus revela em Jesus Cristo o Verbo encarnado, a plenitude do seu amor para com humanidade, também podemos aglutinar dentro dessa manifestação toda sua intenção de salvar o homem pela Lei. Por intermédio desta Lei Deus manifesta o caráter de justiça como uma via de acesso, para que o homem possa se fazer presente no mistério revelado.
O importante aqui é observar as variadas formas de como Deus intervém na história humana. Levando em consideração o pensamento e a vontade humana que deseja que Deus se manifeste por meios extraordinários, como de uma forma mágica, e que tudo se resolveria de maneira rápida e eficaz sem a fadiga do compromisso humano. Mas Deus age por meio da colaboração humana. A história veterotestamentária nos ensina que a ação de Deus se realiza sempre na linha do processo e não do evento. Diz o escritor Adriano Sella, em seu livro Ética da Justiça que:

O evento é algo que se impõe na história humana por meio de manifestações triunfalistas ou de mecanismo altamente coativos. Já o processo, é algo que se insere na história humana em forma de proposta, valorizando a ação humana que se torna colaboradora da construção do projeto salvífico e libertador de Deus. [36]


Para confirmar este pensamento, o teólogo Alois Muller, em Misterium Sallutis, descreve a ação de Deus como um processo de manifestação: Quando veio à plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho que nasceu de uma mulher e nasceu submetido à Lei, a fim de resgatar os que estavam debaixo da Lei (cf. Gl 4, 4s). Paulo leva em consideração a situação do processo divino em querer se fazer presente no meio da humanidade. Diz o Apóstolo que: [...], sendo de condição divina, não considerou sua igualdade com Deus como algo a ser guardado para si a todo preço [...], pelo contrário renunciou a si mesmo, assumiu a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens e foi reconhecido exteriormente como homem (Fl 2,6). Para a teologia dogmática, neste mesmo contexto de revelação e manifestação de cunho histórico-salvifíco. Deus já havia estabelecido este momento preciso desde toda a eternidade, e o situa sob a livre iniciativa pessoal de Deus Pai, o momento exato em que seu Filho haveria de entrar na carne do pecado, como membro do gênero humano. [37]
A Sagrada Escritura dá testemunho de que Cristo veio ao mundo para salvar a todos os homens, para redimi-los de seus pecados. O profeta Isaías profetiza para todo Israel de que o mesmo Deus virá para salvar o seu povo (Is 35,4). Também os escritos neotestamentários anunciam que pelo nome de Jesus haverá salvação de todo aquele que se encontra no pecado. Antecipadamente, os Anjos anunciam que naquela noite, em Belém, nascia o Salvador na cidade de Davi (Lc 2,11). Entre tantas referências bíblicas a Jesus como salvador, com certeza, essa salvação é ulterior à encarnação de Cristo, que menciona a Sagrada Escritura, de modo a fazer alusão à glorificação de Deus que é o supremo de todas as coisas (Lc 2, 14). Posteriormente é o próprio Jesus que faz menção a esta realidade, quando declara em sua oração sacerdotal: Eu te glorificarei sobre a terra, conclui a obra que me encarregaste de realizar (Jo 17,4).
De acordo com esse testemunho, os Santos Padres ensinaram que a encarnação do Filho de Deus estava vinculada à condição do pecado do homem (Santo Agostinho, Sermão 147, 2,7,8). Assim também a Igreja percebe o caráter da necessidade da ação redentora em Cristo. Somente um ato livre por parte do amor divino pode restaurar a ordem sobrenatural destruída pelo pecado (Decreto Ad Gente nº 8). [38]
Dando seguimento ao pensamento do processo como meio de inclusão divina na história humana, o qual delineamos como uma ação livre, este mecanismo tende a criar uma visão de conjunto. Baseando-se na Lei, a ação respeita a liberdade e faz acontecer um amadurecimento de consciência no povo, isto é, a conquista da verdadeira justiça e liberdade se faz por meio de um longo processo de libertação. Assim ocorreu este processo para que houvesse de fato a encarnação, que é a manifestação da justiça divina para o seu povo. E que, conseqüentemente, abre caminho para a realização da justiça social, que se concretiza por meio do amor, fidelidade, justiça e paz, parâmetros incluídos na Lei estabelecida por Deus.
No cântico do Magnificat,[39] encontraremos uma demonstração da escuta e resposta que conduz ao absoluto amadurecimento da consciência. Consciência esta tomada por Maria em meio à proposta da ação de Deus para salvar a humanidade. Maria apresenta todo o anseio que acompanha a humanidade em sua vida quando canta; todos os atos dos seres humanos assumem diante da ordem estabelecida uma importância de caráter profético, como também um manifesto apocalíptico numa perspectiva oposta a tal ordem a fim de acalmar os espíritos e encorajar a esperança dos pobres na realização do Reino de Deus que se encarna e nasce para fazer a justiça acontecer.

Minha alma engrandece o Senhor, e meu Espírito exulta em Deus meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu nome é santo e sua misericórdia perdura de geração em geração para aqueles que o temem. Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhosos. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens os famintos e despediu ricos de mão vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia – conforme prometera a nossos pais – em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre! (Lc 1,46-55).

O mistério da encarnação foi se realizando até a sua concretização a partir da história do povo de Israel, que mesmo dentre as adversidades, que a levavam a se afastar pela desobediência, sempre tivera o desejo de que Deus realizasse a sua justiça como compromisso de promessa. O Salmo 90 proclama com muito vigor a boa notícia que a volta de Deus na terra será com aquele que finalmente governará o mundo com justiça e as nações com fidelidade. Seguindo o mesmo enfoque, o salmo 98 chama a humanidade para se alegrar com a intervenção de Deus na história, pois ela fará com que a justiça e o direito se encarnem.[40] A alegria, de acordo com o teólogo Gutierrez, é, com efeito, uma característica do cumprimento das promessas de Deus. Porém, em todo esse significado o milagre da encarnação, diz o teólogo, ocorre na síntese da força do Espírito e da insignificância de Maria, porque tudo acontece pelo amor livre e gratuito de Deus que também não a faz esquecer as exigências da justiça.[41]
João Paulo II, na sua Encíclica Redemptoris Mater, faz uma alusão de modo especial à importância do Magnificat na história do povo por Maria:


O Magnificat antecipa o anúncio de Jesus sobre a sua opção pelos pobres (Lc 4,16-18 e 6,2s). O sentido deste canto é recordado em Maria no Espírito dos “pobres de Javé” que, segundo a oração dos salmos esperam de Deus a própria salvação, pondo nele toda a sua confiança (Sl 25;31;35;55). Ela, na verdade, proclama o advento do mistério da salvação, a vida do “Messias pobre” (Is 11, 4; 61, 1). Haurindo a certeza do coração de Maria, da profundidade da sua fé, expressa nas palavras do Magnificat, a Igreja renova em si, sempre para melhor, essa própria certeza de que não pode separar a verdade a respeito do Deus que salva, do Deus que é fonte de toda dádiva, da manifestação do seu amor preferencial pelos pobres e pelos humildes, amor que, depois de cantado no Magnificat, se encontra expresso nas palavras e nas obras de Jesus. [42]


Ressaltando neste ponto a participação do homem como cooperador no processo da revelação e manifestação da ação de Deus, onde este se encarna no meio da humanidade, podemos incluir neste processo histórico-salvifico a pessoa da “mulher” Maria que também suscita perspectivas para a realização do mistério da encarnação.
De acordo com o teólogo Schillebeeckx:

O mistério marial comporta duas dimensões: Uma dimensão histórico-humana que nos permite considerar o mistério num plano modesto de uma mulher do povo, de uma mulher de piedade simples, toda penetrada das perspectivas judaicas do Antigo Testamento, e que viveu num determinado período da história quando havia uma ocupação romana. Sua vida vem evidentemente influenciada pela história profana e se insere na situação político-religiosa dos judeus de seu tempo. Ao mesmo tempo, também faz parte do mistério da revelação. Ela é o aspecto tangível, visível e histórico de uma dimensão supra-histórica que olha a salvação de todos os homens.[43]


Para o teólogo, mediante as apresentações bíblicas, a figura de Maria só aparece para confirmar sua presença no processo do mistério da encarnação quando se revela a dimensão salvífica como uma posição decisiva. E que a estrutura do mistério marial compõe em si de uma intenção salvífica de Deus em acontecimentos que envolvem o ser humano que busca a ação redentora de Deus em sua vida. A partir de uma perspectiva humana, o teólogo desenvolve o seu pensamento a respeito do mistério marial, dentro do processo da encarnação, e que evolui para uma aproximação da inteligibilidade, do próprio mistério, no que define a compreensão da revelação de Deus. A vida de Maria se desenvolve à sombra da fé que nada enxerga, que não compreende, mas confia nos desígnios impenetráveis de Deus.
Ao procurarmos entender o seu significado a partir da intenção salvífica de Deus pelo mistério marial, percebe-se a importância do acontecimento da encarnação pela maternidade de Maria, pois através da mesma conseguimos obter um sentido mais nítido da maternidade divina que em conexão com a encarnação e com a soteriologia progride para que o fato da encarnação seja realizado através de uma mãe humana. Com isso podemos demonstrar que a maternidade divina realiza-se não apenas de maneira factual e relativa, mas pela participação humana de Cristo. Partindo dessa observação, podemos afirmar também que Maria por ter sido a mãe natural da humanidade histórica de Cristo, também participa da humanidade divina de Cristo que provém da participação no plano da graça. Sendo assim, a anunciação, por seu lado, constitui a maior graça que se possa imaginar com relação à Maria. Não existe nenhuma outra forma de graça a não ser a participação na humanidade de Cristo, e nenhuma forma superior desta participação senão o ser de mãe desta humanidade, numa maternidade aceita na fé. Isto Maria o fez com seu sim. Daí é que por sua maternidade se realizou, em sua graça, a plenitude dos tempos, [44] - o Pleroma.
Assim, Schillebeeckx conclui o seu pensamento dizendo que a mensagem do Anjo deixava Maria compreender que Jesus era o Redentor, o Messias real que salvaria o povo. Porém, pergunta o teólogo, será que Maria também sabia que seu filho era verdadeiramente o Filho de Deus, o Deus encarnado? Responde o autor:

Essa verdade só lentamente Cristo deu a conhecer à sua comunidade através dos gestos por Ele realizados, os quais em muitos deles manifestou-se a justiça e o amor de Deus, como também, tomarão conhecimento somente na Ressurreição. [45]


A redenção, já em seu princípio, apresenta a encarnação possuidora de uma estrutura de revelação e de fé e, conseqüentemente, uma estrutura eclesial. É lícito concluir que a resposta na fé, como primeira ação da Igreja, foi também uma ação no sentido eclesial uma obra de graça que era também graça para todos os membros futuros da Igreja. Com isso, quem recebe a graça do Cristo Cabeça, acha-se vinculado àquela graça que produziu em Maria o seu assentimento à encarnação. E também foi neste sentido que Maria pronunciou o seu Fiat, loco totius Ecclesiea, como representante de toda a Igreja, e a Igreja de todos os tempos o fez em Maria. Neste sentido, Maria foi, na anunciação, ao mesmo tempo Igreja e mãe da Igreja.[46] O teólogo Schillebeeck define Maria como mãe da humanidade numa maternidade aceita pela fé. A Igreja é obra do amor de Deus à humanidade; nasce já na encarnação, na vida e obra de Jesus Cristo que neste aspecto aparece com uma tarefa de participação e compromisso de transformar o mundo. Assim, o Documento de Puebla destaca a figura de Maria como Mãe e modelo inspirador da Igreja na ordem da fé e do seguimento prático de Jesus. [47]
Portanto, a encarnação é algo novo perante as manifestações de Deus, e que os evangelhos revelam o verdadeiro amor chegando até o ponto de doar a própria vida. Jesus é a encarnação e novidade do julgamento de Deus: na sua prática manifesta-se a justiça que é a misericórdia e o perdão. A manifestação do perdão é a revelação do Deus que é luz e amor sem limites e barreiras.[48] Entretanto a justiça salvadora e libertadora encarnada em Jesus Cristo não somente liberta os pobres e os excluídos das opressões humanas através da sua graça como também pela sua encarnação o Filho de Deus cria entre Deus e o homem uma parceria. O filho de Deus uniu-se, de algum modo, a todo homem (cf. GS 22). Sendo assim, também liberta a todos os que promovem a injustiça, quando convocado a seguir Jesus Cristo, porque ele é a justiça manifestada de Deus e que faz acontecer pela sua obediência à vontade de Deus, por meio do seu Reino, que projeta para o futuro uma sociedade justa e solidária.

2.2. O Reino: restauração da aliança, lugar de justiça.

Em Jesus Cristo, ressalta o teólogo Gustavo Gutierrez

O Deus da vida exprime o seu amor de gerar para si uma família de seres iguais por um ato de libertação, ao fazer exigir justiça no meio do seu povo, ao estabelecer com ele uma aliança irrenunciável na história da libertação. Justiça e aliança se implicam e se conferem mutuamente em pleno sentido. Tais gestos nos revelam um Deus vivo, santo e fiel. [49]


Inicialmente através dos documentos neotestamentários, poderemos socializar o acontecimento do nascimento de Jesus como sendo um princípio da manifestação do Deus que rejeita a exclusão. Assim também, a espera da revelação divina é realizada e a soberania e o poder de Deus estão se tornando presentes de uma maneira nova no mundo. Isto é uma boa notícia, porque Deus se aproxima dos homens com uma oferta de humanização e vida nova: [...] se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, então é que chegou até vós o reino de Deus (Mt 12, 28). [50]
Este evento acontece após a resposta positiva de Maria, o seu Fiat, onde ela se encontrava inserida na realidade do seu povo, perante uma estrutura de uma ordem estabelecida que desencadeava em uma perspectiva de morte provocada por um sistema institucional injusto. Assim, a opressão em qualquer de suas formas significa morte. Esta é a experiência do povo judeu no Egito, país que passou a ser o símbolo do desprezo e da exploração e principalmente do pecado, causa última da injustiça. Em oposição a ele se encontra a vivência do Êxodo (3,7s). Libertar é dar a vida. Deus liberta porque é o Deus da vida. Nesta perspectiva o anúncio messiânico de Jesus concentra-se igualmente na libertação, porque a justiça que Ele veio instaurar ultrapassa todo e qualquer sistema legal e se funde numa promessa cuja garantia é o próprio Deus. De acordo com o teólogo Jon Sobrino, essa atitude de Jesus de anunciar a libertação através da prática da justiça está ligada à absoluta confiança e a disponibilidade de Jesus em ralação a Deus. Deus é para Jesus alguém que, em ultima instância, como ser humano tem que se relacionar na fé e, por sua vez, acrescenta o teólogo, a fé só pode ser depositada em Deus, a tal modo que Jesus foi um crente extraordinário e teve fé. A fé foi o modo de existir de Jesus.[51]
Deste modo, Deus age na história libertando o seu povo. Por isso, a experiência e a expectativa libertadoras constituem um elemento importante no acontecimento do nascimento de Jesus, no qual nos revela um Deus que ama a vida. E que veio denunciar o sistema da Lei, e por este ato Ele quis se identificar com a justiça prometida. A promessa não tem como objetivo instaurar privilégios, mesmo que fosse para um povo, pois a Aliança estava ligada à promessa: uma terra, um povo, a abundância para todos.
Assim, Mateus apresenta um Deus que preparou a vinda do seu messias. E que através do seu nascimento, também se manifesta na história do povo. A representatividade do nascimento do Messias em meio à situação em que vivia o povo judeu é uma resposta à desordem social provocada pela ordem estabelecida.
Em conformidade com a realidade, o evangelista insere mulheres na genealogia do nascimento de Jesus, judias e não judias, puras e pecadoras. Além de Maria, a mãe de Jesus, quer Mateus justificar que a presença delas também faz parte do plano salvífico de Deus de salvar o seu povo, no sentido de que o nascimento do Messias é também para os gentios e que tem solidariedade para com a raça pecadora. Para o evangelista, Jesus nasce para fazer justiça. [52]
De acordo com o biblista Karl Kertelge

A justiça no NT deve ser entendida predominantemente como um conceito que expresse uma relação. Justiça designa uma ação, um comportamento que tem sua norma não em um conceito ideal do que seja justo de acordo com a doutrina grega sobre as virtudes, e sim numa relação vivêncial entre Deus e o homem. Pode-se distinguir entre o sentido teológico e um sentido antropológico de justiça, ou melhor, entre o soteriológico e o ético, mas há uma relação entre ambos. O ‘agir bem’ de Deus possibilita e motiva o ‘agir bem’ do homem. [53]


Jesus exerceu sua missão messiânica dentro de um contexto marcado por um sistema de exclusão social e por uma religião como instituição ativa e determinante no processo da formação do povo judeu. Tinha como elemento primordial de sua vida a lei, que dentro da ótica social a religião justificava essa conjuntura quando classificava o homem como sendo puro e impuro.
Nessa realidade, quem fazia parte da classe dos puros detinha o poder e a riqueza. Dessa maneira, formava-se um círculo vicioso para os pobres que não podiam ter vida econômica melhor porque não eram totalmente puros e não podiam ser mais puros porque não tinham possibilidade econômica. Isto é, prevalecia à idéia de que Deus fazia uma seleção natural de seus escolhidos, sendo os mais abastados.[54] Os direitos e os privilégios eram distribuídos de acordo com a posição social, e os que não possuíam status eram totalmente excluídos. Para Jesus essa situação era diferente. Ele contradiz o sistema de valores deste mundo, onde os pobres e pequenos não contam, e que essa estrutura fundamentava o mal na sociedade (Lc 6,26). Em Jesus, o amor livre e gratuito de Deus interpela a prática da justiça, é anunciado a partir dos pobres e de suas necessidades, de seus direitos e dignidade, de sua cultura e, sobretudo, a partir do Deus que quer situá-los dentro de sua encarnação.[55] Com essa pedagogia de caráter social Jesus inclui os pobres como sendo os últimos que serão os primeiros (cf. Mt 20,1-16). Aqueles que estavam no poder, [...], arraigados no conforto material, abandonaram o conhecimento de Iahweh (Os 4,4-7); [...] criaram falsos profetas para enganar o povo conduzindo-o à ruína (Am 8,5 // Mq 3,1-3 // 6,9-15).[56] Diante dessa conjuntura, Jesus expressava de forma contundente a sua denúncia contra o sistema corrompido que fazia o povo andar pelas ruas, praças e no deserto com fome de pão e sede de justiça.
Jesus não estava preocupado com o que viessem a pensar ou a falar dele, o que o preocupava era a situação em que se encontrava o povo. Todo seu agir era de conformidade com a Lei e a sua prática, conforme o plano original de Deus que solicitava a todos o respeito com o ser humano. Isso fazia com que o número dos que o seguiam aumentasse, enquanto se afastavam do domínio das autoridades.[57]
Com isso, a experiência que Jesus tem com o povo no deserto como ovelhas sem pastor vai provocar a sensibilidade, o bom senso e a sabedoria dos seus em relação ao contexto social. Mediante essa realidade, os discípulos podem ainda estar imbuídos do espírito da tradição e da religião judaica que na sua prática só se prestava para criar leis de caráter moral, enquanto as leis que poderiam conduzir o homem ao seu bem-estar social eram de cunho classista. Com isso, a lei não mais satisfazia a vontade do povo em seus direitos. Para Jesus, a justiça que ele pregava e que também chamava os seus a assumi-la tinha no seu conteúdo a condição de superioridade diante da antiga, e que a sua verdadeira prática garantia à entrada no Reino dos Céus (Mt 5,20s).
Ao perceber a situação do povo diante da realidade de extremo sofrimento, Jesus assume um compromisso que implicará em uma mudança do tempo histórico e manifesta o plano de salvação como expressão messiânica e como meta de libertação. Diante dessa questão de assumir um compromisso, isso se reporta à sua opção para a qual se desenvolverá o seu ministério messiânico. O Reino de Deus tem um destinatário concreto, onde nessa perspectiva o Reino é essencialmente parcial, e essa parcialidade atinge, conforme o próprio Jesus, a todos os que se encontram fora da ordem estabelecida: Fui enviado para anunciar a boa-nova aos pobres (Lc 7, 22; Mt 11, 15). Confirmando esta postura, J. Sobrino diz:

Esta relação entre reino de Deus e pobre se estabelece nos evangelhos como um fato, mas, mais radicalmente, aparece como relação de direito, baseada na própria misericórdia de Deus. É o que Puebla afirmará de modo impressionante: pelo simples fato de serem pobres, quaisquer que seja a situação moral ou pessoal em que se encontrem, Deus os defende e os ama, são os primeiros destinatários da missão de Jesus (Cf. Puebla 1142). Esta afirmação continua sendo fundamental para compreender o reino de Deus, Jesus e a missão da Igreja na atualidade. [58]

Jesus vê a situação do povo que se encontrava como ovelhas sem pastor e, tomado de compaixão, começou-lhes a ensinar, mas ensinava com autoridade que o diferenciava dos escribas porque a autoridade deles provinha dos textos e da tradição, e a autoridade de Jesus provinha de Deus (Mt 9, 35, 36; Mc 1, 27; 2, 10). O que Jesus ensinava tinha repercussão de imediato, pois conseguia realizar um equilíbrio da pessoa humana como um todo.[59]
A realidade enxergada por Jesus não o afastava do seu povo, mas o inseria no seu contexto histórico e desse modo ele vai se identificando com os anseios e esperanças de quem já não sabia o seu destino. E através desses encontros surgem relações cada vez mais profundas entre Jesus e os doentes, pobres, publicanos, mulheres como também gente de terras consideradas impuras, esmagada pela angustia de estar excluída da pureza do povo da Aliança. Por isso, já não mais se dirige ao Templo de Jerusalém, mas ao deserto e ao corpo de Jesus, solidário de quem se encontra excluído. Aqui, demonstramos de forma implícita através do gesto de acolhimento, os milagres de Jesus que tem seu sentido profundo na soberania de Deus que já está abrindo seu caminho no mundo. A sua misericórdia veio para restituir a saúde aos enfermos, fazer mortos reviverem, devolver a dignidade aos oprimidos, dar de comer aos famintos. Estes gestos são sinais do reino de Deus presente na história que se manifesta devolvendo seu rosto humano à sociedade que se transforma e se humaniza na medida em que se aproxima do Deus verdadeiro.[60]
Essa relação interpessoal de Jesus no dia a dia, em povoados, vilarejos, campos e cidades, com o povo, o deixava profundamente imbuído de sentimento de compaixão que o fazia cada vez mais ser solidário e desejoso de afirmar que através da prática da justiça acontece a restauração da aliança e que o Reino é em si a justiça divina. A justiça a que se refere Jesus não é abstrata, mas distinta dos desejos mais fortes que animam a vida do povo. Nessa posição ressalta ao mesmo tempo, a fidelidade de Jesus à instauração profética e a sua originalidade. Podemos dizer que esse sentimento é uma reação que nasce do mais profundo da dignidade humana, mesmo quando essa dignidade é ameaçada, desrespeitada de alguma forma. E é com essa atitude que Jesus encontra razão para fazer um julgamento sócio-político do momento, quando, ao olhar a conjuntura, percebe que: o povo está desorganizado e, por isso, passa fome e tem sede de justiça (cf. Mt 9s).
Este gesto de Jesus para com a multidão assume um gesto de uma ação profética, pois Ele quer afirmar a presença do Reino que é para todos.
Esse fato leva os discípulos ao redimensionamento de seus esquemas de vida, pois, daí por diante a acolhida dos pobres, dos relegados pela sociedade e das muitas classes de excluídos começa a fazer parte da nova sociedade. Os dons que cada um tem significam a possibilidade de participação na vida comunitária, ao responder o chamado do Messias que percebe o quanto há de se trabalhar para que o Reino de Deus esteja fortalecido no coração do homem. A colheita é grande, mas poucos os operários! Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie operários para a sua colheita (Mt 9, 37, 38).
A partir desta entrega, Jesus convoca a multidão para que possa oferecer-se à construção do Reino. Com essa metodologia Jesus vai se familiarizando e ao mesmo tempo afirmando que, na intervenção de Deus no processo da caminhada do povo de Israel, diante das mais diversas situações da vida, é Ele o Messias, o libertador da opressão, da miséria, da fome, da doença, da desgraça, da pobreza e da morte.[61] O messianismo de Jesus aos poucos vai sendo aceito pelo povo, os mais empobrecidos, os anawin, pois esta expectativa consiste para eles a inversão da situação em que vivem, derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes (Lc 2,46); ou ainda nas bem-aventuranças, Felizes os pobres de Espírito, porque deles é o Reino dos Céus; Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (Mt 5,3.6).
Neste ambiente de conflitos de interesses e interpretações de uma mesma esperança cultivada há séculos na tradição judaica, Jesus no seu ministério público se identifica com a profecia de Isaías. Ele é o messias, todos dele esperam a instauração da justiça última:

[...]. O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor. Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga olhavam-no, atentos. Então começou a dizer-lhes: ‘Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura’ (Lc 4, 18- 21).

Assim, ele assumiu toda a justiça, tudo o que era vontade de Deus, cumprindo, isto é, levando à perfeição. A expressão cumprir a Lei significa fazer a vontade de Deus. Em Jesus, há superação da lei e da justiça dos fariseus e dos escribas. Pois ele não veio ab-rogar a Lei, mas aperfeiçoá-la, isto é, restituir o seu sentido original. É necessário mudar de sistema. Passar da Antiga para a Nova Aliança, por isso o discípulo deve buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça.
A irrupção do Reino se dá na pessoa do Cristo. [...]. O tempo está realizado, convertam-se e creiam na boa nova (Mc 1,15). O Cristo é a boa nova do Pai, seu dom mais sublime que pelo mistério da encarnação veio morar no meio da humanidade. E com isso Jesus mostra a gratuidade do amor de Deus, visto que pela proposta de restituir o verdadeiro sentido da Lei todas as diferenças são superadas. A igualdade fraterna precisa estabelecer-se diante de uma nação sedenta de justiça, onde os detentores do poder em lugar de estar do lado do povo estavam do lado dos poderosos. O poder como experiência humana fundamenta a mediação de Deus enquanto amor e serviço, de outra forma se converte em pecado. Pois, quem não produzir frutos ou iniciar uma nova prática da justiça será deixado de lado (cf. Mt 23, 23).
Assim, a presença de Jesus, enquanto sacramento do Pai, é marcada por diversos sinais que quis realizar no meio de seu povo, a saber: curas, bençãos e o perdão dos pecados. Com isso Jesus estabelece um modelo de comportamento e um ideal profético, em que segundo Marciano Vidal, acontece a:
Superação das relações de poder, a co-participação dos bens, o amor indissolúvel, o amor aos inimigos, a não violência. São valores que a igreja deve tornar socialmente visíveis, pois ela é, antes de tudo, a servidora do Reino de Deus. [62]

Contudo, não se pode reduzir a compreensão deste Reino aos milagres de Jesus ou a satisfação pessoal de quem por Ele era favorecido. As obras e atitudes de Jesus, como sinais do Reino, traduzem ao que chamamos de Reinado de Deus, porque não era um território ou status quo que pregava Jesus, mas uma nova ordem das relações interpessoais e com o próprio Deus que viria para transformar o mundo, livrando-o de toda forma de opressão que destruía a humanidade, sobretudo os mais pobres.
Estes sinais, contudo, não constituem a totalidade da realidade, mas eles são antecipadores das realidades escatológicas que, como dom de Deus, é gratuito, perene e universal. Leonardo Boff define esta conjuntura de Reino de Deus como sendo uma revolução total e global da velha ordem levada a efeito por Deus e somente por Ele. O Reino de Deus implica revolução no modo de pensar e agir. [63] A dinâmica do Reino exige uma Moral de atitudes, [...], em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus (Mt 18,3).

















2.3 Páscoa: memória e projeto de Justiça e Libertação.

No tempo de Jesus, a páscoa judaica congrega em Jerusalém os fiéis de Moisés para a imolação e a manducação do cordeiro pascal; ela comemora o Êxodo que libertou os hebreus da escravidão egípcia. Hoje a Páscoa cristã reúne em toda parte os discípulos de Cristo na comunhão de seu Senhor, verdadeiro Cordeiro de Deus; ela os associa à sua morte e à sua ressurreição, as quais os livraram do pecado e da morte. De uma festa à outra festa a continuidade é evidente, mas mudou-se de plano passando da antiga à nova Aliança por intermédio da Páscoa de Jesus. [64]

De acordo com o teólogo C. Duquoc, o Crucificado é o Ressuscitado: o sentido da vida pascal de Jesus não se separa de sua palavra e de seu comportamento terreno. Isso dá condição de manifestar sua função libertadora, pois a relação entre fé pascal e a vida de Jesus tem como objetivo dar um conteúdo a essa mesma libertação. A perspectiva de libertação de Jesus não se limita ao material e nem ao corpo, mas atinge a totalidade do ser humano. Essa relação conduz a uma abertura que revela seu poder de libertação na vitória sobre a morte. Na páscoa está presente a luta que Jesus travou por causa da Justiça, expressão do amor e do perdão de Deus que Ele manifestou.
A Cruz e a Ressurreição, conclui o teólogo, nada são em si mesmas se não estiverem unidas à vida terrena de Jesus e à sua Palavra. Assim também a vida terrena de Jesus e sua Palavra só recebem sua plenitude a partir da dialética entre Sexta-feira Santa e Páscoa. [65]

2.3.1 A morte de Jesus como conseqüência da luta por justiça.

Em sua vida pública, Jesus se apresentava como o profeta do Reino de Deus, que anunciava a proximidade de Deus como aquele que vinha restaurar a ordem, pois o sistema vigente era excludente. Jesus não temeu em denunciar tudo o que não estava de comum acordo com a vontade de Deus, convidando a todos à conversão, para que se estabelecesse uma relação com o Reino de Deus.
Por essa razão, assumiu uma atitude desafiadora em face daqueles que promoviam a injustiça e, portanto, dos verdadeiros criadores de uma situação de morte para a maioria do povo.
De acordo com o teólogo Sinivaldo S. Tavares, em seu livro Cruz de Jesus e Sofrimento do Mundo, a morte na cruz aparece como conseqüência do projeto de Jesus, o qual questionava as estruturas socioeconômicas, culturais e religiosas existentes e que criavam leis e normas injustas que por sua vez eram sobrepostas ao povo para que as cumprisse de forma escandalosa e subseqüente por razões do seu status quo. A cruz de Jesus, enfim, denuncia e desmascara qualquer tentativa que se encontra na tradição para querer legitimar as situações existentes. Era comum àqueles que manipulavam as leis e a religião usar de atitudes ideológicas. As interpretações das leis e da palavra de Deus eram feitas fora do seu contexto original e de forma fundamentalista com pretexto para justificação do sofrimento induzido alimentando, assim, o fatalismo e o cinismo.[66] Esse sofrimento iníquo e imposto ao povo é condenado por Deus, por ser fruto da ação do pecado no seio da sociedade humana.
A presença do pecado como força de destruição do projeto de Deus é vencido por Jesus, o profeta e o justo. Ele morre pela justiça e pela verdade, denunciando o mal que fazia acontecer um fechamento do sistema, ao pretender monopolizar a verdade e o bem a seu favor. Esse fechamento individualista é o pecado do mundo; o teólogo Sinivaldo S. Tavares afirma:

O servo é escolhido por Deus com a missão de instaurar o direito e a justiça (Is 49, 8) e por isso se torna vítima dos seus perseguidores. É considerado objeto de desprezo e contado entre os malfeitores (Is 53,3-12). Cristo morreu por causa deste pecado banal e estruturado. [67]

Para o teólogo Renold J. Blank, a morte de Jesus se torna sinal exterior e visível daquilo que a linguagem apocalíptica chamou de o fim do mundo. Conforme o autor;

A destruição catastrófica do mundo acontece na cruz. A morte de Jesus nesse patíbulo da vergonha é para ele ‘o fim do seu mundo’. Um ‘fim do mundo’ mesmo. O fim daquele mundo em que Jesus tinha esperado, de forma plena, a vinda do Reino de Deus. Esta expectativa se quebrou. O Reino não se realizou de maneira definitiva e Jesus morre. O mundo dele está sendo destruído, e esta destruição é um fim catastrófico. É tão catastrófico que o próprio Jesus formaliza, no seu grito, a condição apocalíptica de um mundo em que Deus está ausente. [...] Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?[...] (Mc 15,34).[68]

O mesmo teólogo testifica que no acontecimento da cruz, em seguida com a morte de Jesus, Ele vive um drama existencial de dimensões apocalípticas. Paulo aos romanos, afirma que Jesus vive as dores do parto (Rm 8, 22), o que leva a gerar um mundo novo, em que há uma luta apocalíptica entre vida e morte. Com tudo isso, dentro dessa visão escatológica de que o mundo de Jesus é destruído, e como também há destruição do mundo antigo, ocorre neste sentido o grande juízo apocalíptico em que na pessoa de Jesus todo mundo antigo é julgado. A partir desse acontecimento também ressurge em Jesus a realização de um mundo novo no qual Deus está presente.[69]
Segundo Blank, [...] o mundo real é marcado pela simultaneidade de estruturas opostas e contraditórias. O teólogo percebe, a partir da compreensão desse mundo e de sua história, que as imagens mitológicas da morte súbita do mundo deve passar por uma re-interpretação tendo em vista as concepções escatológicas de Jesus. Quando o autor analisa tais concepções, não percebe a existência da presença da visão cósmica de Jesus dentro dos sucessivos enfoques míticos. O mundo visto por Jesus é bem diferente: [...] junto ao trigo cresce o joio [...] (Mt 13, 24-30), [...] no meio do anti-Reino se faz presente o Reino de Deus [...] (Lc 17, 20-21). [...] na massa é colocado o fermento para crescer [...] (Lc 13,20-21). O que marca a concepção de Jesus é a consciência de simultaneidade e de processo de transformação.[70]
O ser humano de hoje espera que no futuro todos os seus anseios sejam realizados. O teólogo a definiria como plenificação, incluindo também o cosmo na sua íntegra. Mediante esta concepção escatológica, Blank fundamenta o discurso escatológico como algo que deve manter viva a esperança nesta plenificação, porque é nela que se revela para o ser humano, de maneira total e absoluta, a bondade profunda de um Deus que ama a sua criação.
Um outro ponto importante que devemos observar diante desse evento crístico é o sentido que se dava ao sacrifício, neste caso veremos o sentido sacrifical da morte de Jesus. O culto sacrifical do Antigo Testamento simboliza o retorno a Deus de uma humanidade cuja condição é estar separada d´Ele. O objetivo do sacrifício é o de partilhar da mesma vida desse Deus a quem se oferece o sacrifício. O ser humano se encontra em situação de angústia por não se harmonizar com a intenção criadora de Deus. Neste sentido o sacrifício só pode ser entendido a partir de uma situação de pecado. No caso de Jesus, diz o teólogo C. Duquoc, que o Cristo oferece o seu próprio corpo em sacrifício, aceita voluntariamente a condição carnal cujo termo é a morte. Ele assume a condição de privação da glória de Deus. O autor cita Paulo para fundamentar essa realidade; o Cristo se fez pecador por causa do homem. Por sua morte, Jesus subtrai à esfera do carnal; faz de sua morte o sinal de seu próprio dom e retorno a Deus, como testemunho de sua liberdade e amor pelos homens.[71]
O projeto de Jesus e sua imagem histórica permanecem indelevelmente marcados por sua conclusão trágica na cruz. A cruz representa um fracasso das expectativas suscitadas pelo anuncio do Reino de Deus, com isso surgiram então muitas perguntas duvidando da ação salvífica de Deus. De modo particular entre os neoconvertidos. Seria merecedora de crédito a promessa da realeza libertadora de Deus feita por alguém que acabou miseravelmente na cruz?
Para superar esta contradição, os primeiros cristãos tentaram dar uma interpretação religiosa positiva à morte de Jesus na cruz. Jesus foi entregue à cruz pelos homens, mas Deus o ressuscitou e o glorificou.
Segundo o biblista Rinaldo Fabris:

A morte escandalosa de Jesus podia ser incluída numa visão religiosa, sempre que se pudesse inserir no plano de Deus, revelado nas Escrituras. Alguns textos bíblicos do padecimento do “Justo” eram relidos como profecias da paixão e morte de Jesus. [72]

Diante desta reflexão, a tradição cristã, para reformar o caráter sacrifical da morte de Jesus, põe em evidencia a iniciativa de Deus que “entregou” o próprio Filho em sinal de amor, perdão e reconciliação para os homens. Assim, a morte de Jesus deixa de ser um espetáculo de infâmia e torna-se a hora da glória; a passagem de Jesus deste mundo para o Pai, a suprema revelação do seu amor redentor.
O mesmo biblista, afirma que a morte de Jesus é o castigo e a satisfação devidos pelos pecados da humanidade e que com sua morte dolorosa:

[...] Jesus tornou-se vítima substitutiva ou vicária dos homens pecadores, expiando-lhes a culpa de uma vez por todas; por isso a sua morte é o sacrifício perfeito e definitivo que ab-roga o da antiga aliança. Com a morte de Cruz, Jesus mereceu para os homens não só o perdão de Deus, mas também a vida. [73]


A mesma idéia é também sublinhada por Leonardo Boff, ao afirmar que a redenção que nos foi dada por Jesus consistiria não em primeiro lugar no sofrimento ou mesmo na morte, mas na sua atitude de amor quando se entregou ao sofrimento e morte e que se exprimiu quer na auto-entrega confiante ao Pai quer na oferta do perdão aos seus acusadores e de solidariedade com todos os homens pecadores. Continua o teólogo, o que é redentor em Jesus não é propriamente nem a cruz, nem o sangue, nem a morte, tomados em si mesmos, mas é a sua atitude de amor, de entrega e de perdão.
Portanto, a morte de Jesus é verdadeiro sacrifício, porque ele fez de sua vida uma autêntica existência sacrifical. Neste sentido, a morte de Jesus, de acordo com L. Boff, não constitui outra coisa senão a confirmação da orientação fundamental por ele mesmo dada à vida como: pró-existência e serviço (cf. Lc 22,27) e amor até o fim (Cf. Jo 13,1). [74]

2.3.2. A Ressurreição: plenificação do ser divino e a manifestação da justiça.

Considerando toda a perspectiva de libertação como evento na história do ser humano, o cristão não se deterá nunca na pura contemplação da cruz.
De modo particular, pessoal e comunitária, nossos olhares se voltarão para o ressuscitado, pois com esse olhar teremos a condição de não instrumentalizar a ressurreição, e com isso daremos interpretações a partir do vínculo que o próprio Deus estabeleceu entre vida, paixão e morte de Jesus. A Ressurreição de Jesus é a prova principal da ação divina na salvação do ser humano, e a veracidade do cristianismo. Para o teólogo Sinivaldo S. Tavares:

A Cruz não é a última palavra sobre Jesus, pois Deus o ressuscitou dentre os mortos; mas a ressurreição tampouco é a ultima palavra sobre a história, pois Deus ainda não é “tudo em tudo”. A experiência cristã vive da dialética da cruz e ressurreição de Jesus, que traduz em uma fé contra a incredulidade, em uma esperança contra esperança e em um amor contra a alienação. [75]

Já para o teólogo Jonh Sobrino, em seu livro Jesus Cristo, O Libertador, a ressurreição de Jesus Cristo é a confirmação de sua mensagem e a aceitação da parte de Deus no aspecto prático. Neste sentido a ressurreição permite redescobrir e reavivar a vida de Jesus Cristo como Boa Nova, sobretudo para os pobres, mas também para todos os que aderem ao seu projeto de vida fazendo-se discípulo. [76] De acordo com o autor, a relação que se dá entre Cruz e Ressurreição é de recíproca implicação e de mútua complementaridade, de tal modo que a ressurreição vem a ser como que a verificação divina da vida de Jesus, enquanto a cruz a verificação histórica. Afirma o teólogo:

A ressurreição, com efeito, não pode ser compreendida simplesmente como um final feliz, mas como intrínseca consumação da vida de Jesus. Não é só exaltação de Jesus, mas é também confirmação da verdade de sua vida [...]. A verificação divina de que essa vida é a vida verdadeira é a ressurreição, mas a verificação histórica de que a vida de Jesus é libertadora e boa noticia é – paradoxalmente – a cruz. [77]

De acordo com Juan Luiz Segundo, na ressurreição o aspecto escatológico significa a aprovação do testemunho humano de Jesus. Isto é, acontece nela a adoção por parte do Deus de Jesus Cristo inserido na história concreta do ser humano. Este evento se torna o grande momento na história da humanidade.[78]
Este grande momento acontece pelo fato da fé, porque a ressurreição de Jesus não é um objeto de percepção; ela não é um fato semelhante aos fatos que podemos averiguar todos os dias. Aqui contextualizamos a partir da visão de Igreja que se formava. A Igreja em si não presenciou. Não houve testemunho direto. Ninguém estava presente quando o corpo ressuscitado e vivo de Jesus saiu do túmulo. Assim, a fé é a fonte do nosso conhecimento.
Por outro lado, a ressurreição plenifica o ser divino na medida em que a Igreja vê o crucificado vivo, após a sua morte, e se presta a anunciar a ressurreição como um acontecimento vivo e perene. Aqui também a Igreja testifica a manifestação da justiça plenificada na vida que venceu a morte.
A tradição cristã apresenta o evento da paixão, morte e ressurreição de Jesus em uma dimensão universal, a partir do momento que se tornou como referência ao destino da humanidade. A “Cruz”, que se tornou símbolo de escravidão e de morte, na ressurreição assume o sentido oposto, para exprimir o desejo humano de imortalidade. Assim sendo, a ressurreição de Jesus é vista, sobretudo como garantia da esperança em uma vida além da morte.
J. Sobrino parte do pressuposto de que a ação de Deus na ressurreição de Jesus é, de fato, a concretização para plenificar o que:

Deve-se manter como algo central que o ressuscitado outro não é senão o crucificado de modo que o que revela Deus de maneira específica é a totalidade do acontecimento pascal, isto é, não qualquer ressurreição, mas a de um crucificado. [79]

Dentro dessa dimensão relacional entre cruz e ressurreição de Jesus, Leonardo Boff, vê a plena soberania da justiça divina sobre o pecado que escraviza.[80]
Essa relação acontece quando identificamos o ressuscitado com Jesus Cristo. Deus ressuscitou aquele que tinha sido crucificado justamente pelo fato de ter vivido de modo coerente com o anúncio da Boa Nova do Reino de Deus aos pobres. Assim se refere Lucas: [...] Aquele que passou fazendo apenas o bem. (At 10,36), o Justo, o Santo, o autor da vida (At 3,14).
O mais específico da ressurreição de Jesus para realmente conceber de fato a ação de Deus não é o que ele faz com um cadáver, mas o que ele realizou através de Jesus. Assim afirma J. Sobrino: pela Ressurreição de Jesus acontece o triunfo da justiça sobre a injustiça, não simplesmente o triunfo da onipotência de Deus sobre a morte. Neste caso, a Ressurreição de Jesus se converte diretamente em boa notícia para os pobres, as vítimas, como a plenitude da justiça sobre a injustiça. Da mesma forma, o autor apresenta o anúncio da ressurreição de Jesus, em si, como a ação de Deus em resposta à decisão tomada pelos poderes constituídos em Jerusalém de eliminar Jesus, condenando-o a morte de cruz. Deste modo, pode se exprimir a estrutura teologal da história que é fundamentalmente dialética e conflitiva entre o Deus da vida e os ídolos da morte. Para isso, define o mesmo teólogo:

Se na cruz Deus parece estar a mercê deles, na ressurreição se mostra vencendo-os. Se a cruz simboliza o triunfo dos ídolos sobre Deus, a ressurreição simboliza o triunfo de Deus sobre os ídolos. Se na cruz Jesus é a vítima que os ídolos geram – por necessidade, para substituir – na ressurreição o Deus que está a favor das vítimas devolve a vida a vitima Jesus [...]. Neste contexto, a ressurreição mostra o agora a partir do triunfo de Deus – o que na cruz mostrava a partir do fracasso: a luta dos deuses. E afirma que Deus venceu. [81]

Perante o evento da Ressurreição como manifestação da justiça divina, José Comblin afirma que o próprio Jesus confirmou a sua Ressurreição por meio das várias aparições, e através delas a sua soberania a seus apóstolos, às mulheres, a Pedro, aos Doze, a muitos discípulos e finalmente a Paulo. Assim também Jesus se manifesta aos mártires e aos que sofrem na perseguição, como Estevão e João, para isso temos em alguns textos neotestamentarios passagens que narram tal fato (cf. 1Cor 15, 3-8; //At 9, 3-9; 22, 6-11; 26, 12-18; // Gl 1, 15-17; //At 10, 40-41; // Mt 28; // Mc 16;// Lc 24; // Jo 20, 21). [82]
Para o teólogo Josheph Ponthot:

A Ressurreição significa a atualização da plenificação do Mistério de Cristo: A Encarnação total e gloriosa do Filho de Deus que se tornou, até em sua humanidade, o Novo Adão, o Espírito vivificante, o Salvador da humanidade, o Senhor da história. Eis o acontecimento escatológico por excelência: a vinda do Reino de Deus em Cristo e por Cristo que, por sua Ressurreição – Parusia, rege e realiza todo o devir humano e cósmico. [83]

A Ressurreição significa, enfim, que Deus fez habitar em Cristo todo o pleroma, isto é, toda a plenitude do ser e de poder criador salvífico e glorificante que existe em Deus e, pelo Espírito Santo, no mundo, a fim restabelecer a ordem pela justiça encarnada.

2.4. Um novo Céu e uma nova Terra plenificação da justiça.

Quando Deus irrompe na história, ele o faz sempre e exclusivamente por um único motivo: para salvar. À vontade de Deus de salvar não se limita só ao homem, a terra, mas abrange o cosmo inteiro. A salvação significando vida em plenitude o projeto salvífico divino é também cósmico.[84]
Diante da história humana, que não teve poucos caminhos tortuosos, o próprio Deus conduz para a finalidade última a sua história. E a partir dessa presença divina constante, podemos perceber sinais da salvação.
O projeto salvífico divino desponta dentro de uma visão enigmática da qual se projeta para uma totalidade em que o cosmo também entra em seu destino final. E este destino é o mesmo:

· Salvação.
· Transformação de tudo aquilo que é.
· Plenificação do cosmo inteiro e da humanidade. (GS., n. 39)
· Um novo céu e uma nova terra (Is 65, 17; 2Pd 3,13)

Para R. Blank o cosmo em sua transparência, revela a presença de Deus. Os valores da vida são os valores evangélicos. Nesta dinâmica, a humanidade transformada pela união com Cristo no Espírito e, conseqüentemente, o cosmo na sua totalidade mediante essa realidade se torna cristificado em plenitude escatológica, pois Deus é tudo em todos [...], tudo é a plenificação do projeto de Deus. Isto decorre de acordo com o visionário no apocalipse:

Eis a tenda de Deus entre os homens. Ele levantará sua morada entre eles e eles serão seu povo, e o próprio Deus-com-eles será o seu Deus. Enxugará as lagrimas de seus olhos, e a morte já não existirá, nem haverá luto nem pranto nem fadiga, porque isso tudo já passou (Ap 21, 3-5).

Uma vez alcançado esse objetivo final da criação, cada ser viverá com Deus conforme a sua natureza e suas características. Aqui se percebe através desta plenificação a parusia, triunfo definitivo de Jesus, o Cristo; o máximo definitivo da obra criadora de Deus.
Para R. Blank, o novo céu e a nova terra tornarão realidade àquilo que o profeta descreve, ponto por ponto os aspectos daquela realidade que chamamos a realização do projeto cósmico de Deus:


A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins. Morará o lobo com o cordeiro e o leopardo com o cabrito se deitará; e o bezerro, o leão novo e o animal cevado viverão juntos. O menino pequeno os conduzirá. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; e o leão comerá palha como boi. A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e a desmamada meterá a sua mão na cova da serpente (Is 11, 5-8).

Na parusia essa presença dinâmica de seu agir se torna visível. Pois dentro dessa nova realidade, o amor de Deus manifestado na pessoa de Jesus, os homens e as mulheres viverão num novo céu e numa nova terra, cuja grande novidade será a consciência de que:
· Jesus Cristo existe antes de todas as coisas e todas têm nele a sua subsistência (Cl 1,17).
· Este Jesus Cristo que desceu às regiões inferiores da terra [...] é também o que subiu acima de todos os céus para encher o universo (Ef 4,9-10).
· Os seres humanos estão repletos dele que é a cabeça de todo o principado e potestade (Cl 2,10).
· Cristo é tudo em todos! (Cl 3,11); imagem do Deus invisível (Col 1, 15) que agora se tornou visível. [85]
Enfim, nesta fé que temos a partir da morte e ressurreição de Cristo, em que alcançaremos a salvação, também mantemos a intenção e o sentido do conteúdo do ensinamento da alma imortal para dar-nos razões e esperança que há em nós (1Pd 3,15). O ponto fundamental para a existência da esperança no homem é a certeza da ação vivificante do Pai em relação a Jesus e aos mortos. A fé nesta ação sustentou a Igreja primitiva em seu começo difícil. Como também, é essa esperança que iluminou a trajetória da Igreja ao longo dos séculos. Para isso, dizem os teólogos J. Libanio e Maria Clara, no livro: A Libertação na História – Escatologia Cristã:

A história humana não tem em si o germe da perpetuidade. Sua esperança vem da ação ressuscitadora e glorificadora de Deus aberta, anunciada e já iniciada com a ressurreição de Jesus. [86]



















Capítulo III - A IGREJA: DOM DE DEUS, COMUNIDADE SOLIDÁRIA NA PRÁTICA DA JUSTIÇA.

3.1. Espírito Santo: o promotor da Justiça e ação libertadora.

Fiz meu primeiro relato, ó Teófilo, a respeito de todas as coisas que Jesus fez em ensinou desde o inicio, até o dia em que foi arrebatado ao céu, depois de ter dado instruções aos apóstolos que acolhera sob a ação do Espírito Santo.(...) Estando, pois, reunidos, eles assim o interrogaram: ‘Senhor é agora o tempo em que irá restaurar a realeza em Israel?’[87] E Ele respondeu-lhes: ‘Não compete a vós conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com a sua própria autoridade. Mas recebereis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas e Jerusalém, e toda Judéia em Samaria e até os confins da terra’. Disto isto, foi elevado à vista deles, em uma nuvem o ocultou a seus olho (At 1,1.6-9).

Jesus dá testemunho e apresenta o projeto salvífico de Deus que tem como princípio a observância da Lei de forma que todos sejam beneficiados. Ele passou fazendo o bem, amando ao próximo (Mt 22,39), perdoando (Mt 18,21), restituindo a vida ante a morte (Mt 14, 13-34). A comunidade mateana o apresenta como aquele que nasceu para fazer justiça.
Já a comunidade apostólica que tendo permanecido com Jesus durante a sua vida e participando do mistério da Ressurreição, ainda não tinha entendido que o Reino de Deus já ocorrera desde o momento em que Deus se dispôs a anunciar a sua encarnação, e que esta perpassará toda a história crística: da paixão à ressurreição. Os apóstolos, mediante a perplexidade do ainda não ser, perguntam sobre quando será a restauração do Reino e, para aliviar essa tensão, Jesus deixa no coração da comunidade apostólica a seguinte interpelação: de que o Reino restaurado acontece a cada momento, como também, quando cada homem o assume e o faz como projeto, imbuído do dom de Deus, para a construção de uma comunidade solidária. Neste ponto, perpassando a história da Igreja, podemos salientar o contexto libertador das comunidades de base que pela sua estrutura de organização delineiam o fundamento da sua missão na perspectiva da unidade total do ser humano. Para Leonardo Boff, o contexto conflitivo das bases configura muito concretamente a missão da Igreja, fato ocorrido no questionamento do quando será a restauração do Reino, que levou os apóstolos como Igreja que nascia a pensar e a viver a sua fé, ainda imbuída da tradição judaica, de forma libertadora e comprometida com os humildes, lutando por sua dignidade e ajudando a construir uma convivência conforme os critérios evangélicos.[88]
Acontece que, depois da morte e ressurreição de Cristo, a Igreja é o lugar onde o Espírito Santo atua. E com a ressurreição de Cristo o poder da vida, que é o Espírito Santo, age na Igreja, e como este poder produz a justiça, esta se harmoniza com a fé na ressurreição. O Espírito Santo, então, é a grande antecipação atual do fim, que converge da participação da ressurreição de Cristo, concedendo ao homem os dons do Espírito levando-o a se transformar num novo ser [89] (2Cor 1, 22; 5,5 // Rm 8, 23.26).[90]
Com os eventos cristológicos: vida, morte e ressurreição, a fé da comunidade apostólica e cristã, relaciona tais eventos com a questão pneumatológica, através de uma íntima relação, em que o fato mais importante é que ambos contribuíram para fazer com que Jesus entrasse na história do homem. A importância da experiência do Espírito Santo na vida de Jesus é que ele fez com que o próprio Jesus movesse os homens do seu tempo, para dar testemunho dele próprio.[91]
A mensagem foi confiada aos apóstolos. A obra atinge os homens passando pela atividade de um grupo, escolhido por Deus para este fim, e que será a base da fundação da Igreja. O Evangelho é a obra catequética do Colégio Apostólico, em que pela sua mensagem única, se encontra a concórdia apostólica (1Cor 15.11). Leva aos apóstolos a acobertar a fundação e o governo das igrejas, em que todas as igrejas particulares constituem a Igreja. (Gl 2.2) Paulo age e funda comunidades em nome e pela força e delegação do Espírito que pertence a todos e a cada um.[92]
Por causa de seu aspecto institucional, o apostolado inaugura uma função normal da Igreja. O privilégio de ter sido o início é inacessível e incomunicável: sucessor algum poderia jamais se ligar imediatamente ao Jesus da Galiléia ou ao Cristo Ressuscitado. Mas a função inaugural deve continuar; será preciso continuar a anunciar a mensagem, a fundar, a dirigir as comunidades, a manter a tradição na sua linha de fidelidade ao Mestre. O princípio da sucessão é o único que assegura normalmente a continuidade de uma função, assim como assegura a continuidade de uma tradição.[93] E esse princípio é exercido com plena liberdade para gerar em si a justiça e a unidade.
O teólogo José Comblin ao falar a respeito de liberdade diz:

Na realidade o povo de Israel é como uma grande parábola do problema da liberdade, o destino trágico da liberdade nesta terra. O Espírito é enviado em função da liberdade. O Pai enviou-o com a força da palavra em vista da liberdade porque somente a liberdade faz um povo. Há uma sucessão indispensável que constitui o sentido da história aberta por Jesus: Espírito – palavra – liberdade – povo de Deus. Não pensemos que as aspirações para a liberdade sejam muito fortes: humanamente elas são tão fracas e tão isoladas que não tem possibilidade nenhuma de êxito: elas têm as promessas do Espírito sem as quais seria melhor desistir logo. Depois de tornar livres de si próprios, da sua própria segurança e das suas próprias vantagens e capazes de tomarem o partido da libertação dos outros, o mesmo Espírito Santo torna-os livres do mundo exterior, dos princípios, regras, normas que desde sempre envolvem a relação entre homem e mundo. Dentro de limites estreitos. [94]

Mediante a ação libertadora do Espírito Santo, o preço da liberdade, segundo José Comblin, é a obrigação de escolher e, portanto, de assumir responsabilidades. E essa, requer serviço, condição que Paulo descreve deste modo: [...], livres do pecado, passastes a servir à justiça (Rm 6,18). O que o Espírito pretende construir é o povo de Deus. E também para que sejam os construtores, os portadores da força do Espírito contra as barreiras deste mundo.[95]
O Espírito Santo está na origem do clamor dos pobres. Onde este é a força dada aos que não têm força. Ele conduz à luta pela emancipação e pela plena realização do povo oprimido. Quando Jesus promete aos seus apóstolos a força do Espírito Santo, dar-lhes coragem para agir no mundo, na história e por meio da história. Mas não para substituí-la e sim para penetrar nela e por meio dos homens e das mulheres serem o novo povo de Deus. Os sinais da justiça e da ação libertadora do Promotor – o Espírito Santo – está presente onde os pobres despertam para o agir, a liberdade, a tomada da palavra, a comunidade, a vida.[96] Esse é o milagre da história que aparece e se renova numa vontade de libertação. Pois não podemos pensar, diz o autor, que o Espírito Santo seja reservado somente para a Igreja ou que ele esteja exclusivamente dentro dos limites da Igreja.

3.2. A Igreja: comunidade de paz e de justiça.

De acordo com a Teologia Dogmática, podemos entender a Igreja a partir do conceito, assim digamos, mais tradicional, como sendo esta uma criação de Deus para manifestar o seu desígnio salvífico. Através ou com a história do mundo; Ecclesia ab Abel; com Abraão, pai dos crentes, e depois com a eleição e a constituição de um povo de Deus. Afirma Neufeld Karl que isso ocorreu mediante a aliança do Sinai, a qual comporta dois aspectos: a gratuidade de um testamento e a fidelidade; de forma que se traduz em uma parceria, que se condiciona a uma mútua relação.[97]
Os valores dessa noção de povo de Deus, (Dt 7,6-8), culminam na forma do conduzir de Deus a história do seu povo: (Dt 7, 11), eleição pela graça; pertença a Deus, consagração a Deus (Lv 17-26; 20, 26): todo povo é santo dotado de uma qualidade sacerdotal, o que não impede que haja sacerdotes por estado particular, para a missão de louvar a Deus através do testemunho para os outros homens mediante a solidariedade diante da fraqueza e precariedade de um povo de pecadores.[98]
Já a Igreja nascida de Jesus Cristo e da nova aliança é o Israel de Deus, o povo de Deus. Todavia, com o advento de Cristo, de fato, diz o teólogo Neufeld Karl que: os valores do judaísmo sofreram uma transformação que levou a uma nova interpretação dos conceitos existentes, por exemplo: o templo passará a ser seu corpo, e o seu Espírito será a Lei. A Igreja é o Corpo de Cristo (Ef 1,23; Cl 1,18-24). Portanto, a tradição neotestamentária enraíza a Igreja a uma íntima ligação ao Espírito de Deus, que sendo este o Dom da vida, também a Igreja é um dom de Deus, dom escatológico que leva a termo a obra de Deus como Corpo de Cristo, e que está sempre animada pelo Espírito do Cristo para que as comunidades se constituam, mediante o exercício dos dons, em carismas diversos, manifestações do Espírito, para o bem comum.[99]
O teólogo Adriano Sella em seu livro, Ética da Justiça, apresenta o bem comum como prática da justiça, e enfoca através desse contexto o pensamento dos Padres da Igreja, quando cita João Crisóstomo:

Deus não fez alguns ricos e outros pobres. A terra é toda do Senhor e os seus frutos têm de ser comum para todos. As palavras meu ou teu são motivo e causa de discórdia. A comunhão dos bens é a forma de existência mais adequada à natureza do que a propriedade privada. Sendo a terra um dom de Deus, então é comum a todos. Como é possível que vocês tenham tantos hectares e que o teu próximo não tenha nada?[100]

Para o pensamento patrístico o bem comum é o rosto da justiça social, como também é a essência do cristianismo. Os Padres da Igreja falaram muito sobre a importância do bem comum e que esta realidade deve ser vista como um grande valor evangélico que deveria permanecer em toda a vida cristã. Conforme os ensinamentos dos Padres da Igreja, o direito dos pobres está baseado na distinção comum dos bens da criação. De acordo com Adriano Sella, este corresponde à disposição divina:

[...]. Assim, pois, é justo que se você reivindicar algo para si privadamente do que foi dado em comum ao gênero humano, ao menos reparta algo do que você recebeu com os pobres, a fim de não negar o alimento aos que têm participação no seu direito.[101]

Uma outra realidade denunciada pelos Padres da Igreja é o enriquecimento ilícito, o que é tirar proveito da necessidade do pobre e, com o pretexto de ajudá-lo, deixa-o em uma situação de miséria.[102]
Os Padres da Igreja detectaram a raiz do problema da pobreza em suas comunidades como sendo a prática da injustiça social e mediante a catequese pastoral afirmam que a partilha é o caminho para erradicar o mal da injustiça. A atitude dos Padres da Igreja não é paternalista, mas trata-se das dimensões executivas e preventivas da partilha com o intuito de devolver o que nas origens dos tempos era comum segundo o plano de Deus, resgatando a igualdade segundo a lei do direito natural que é o bem comum. A desigualdade exclui a própria justiça cuja força consiste em fazer iguais aos que, com igual sorte, vieram para esta condição de vida.[103]
A Igreja, no limiar da história, assume o seu caráter de ser nascida do amor de Deus para a humanidade e criada da vida e obra de Jesus Cristo, animada por seu Espírito, transfigurada, livre da escravidão pelo mistério pascal do Senhor, hoje como núcleo inicial e fundamento do povo de Deus, universal e escatológica. Ela deve continuar e encarnar-se, seguindo os passos de Jesus, entre os pobres e os marginalizados afim de que possa encontrar neles a expressão de sua própria fé e de sua esperança.
No decorrer dos séculos a história da Igreja ocorreu em paralelo ao desenvolvimento da sociedade e, com isso, podemos ver em seu conjunto o paradoxo entre o pensamento religioso e o agir social, em que muitas vezes a Igreja se tornou conivente com a concepção do mundo em que a pobreza era vista como destino ou vontade de Deus, e que com esta concepção a Igreja favoreceu os privilégios dos ricos e concedeu aos pobres somente os favores dos ricos como a esmola, sem mudar a situação da injustiça social. Somente na época pós-moderna é que obtivemos ajuda para compreender que a pobreza não era uma questão de destino ou vontade de Deus, afirma Adriano Sella, mas que era causada pelos sistemas opressores que detiveram por muito tempo o poder de todo o sistema capitalista. O pensamento pós-moderno ajudou a compreender e a combater a injustiça social e a assegurar os direitos humanos que garantem as condições básicas de igualdade humana.[104]
Adriano Sella, apresenta em seu livro Ética da Justiça uma abordagem da Doutrina Social da Igreja quanto à questão da justiça social, dentro do parâmetro de Comunidade de Ecclesia.
Retrospectivamente desde Leão XIII a João Paulo II o magistério da Igreja tem manifestado uma preocupação sempre crescente pelo problema da justiça social. De fato as encíclicas e os vários documentos do Magistério representam um esforço contínuo, visando despertar a consciência dos cristãos para as exigências de um cristianismo autêntico, envolvido eficazmente na difícil luta pela justiça no mundo e para que a Igreja seja uma verdadeira parceira no combate à injustiça social.[105]
No âmbito geral, a justiça social para a Igreja refere-se à justa distribuição de todos os bens básicos, assegurados no direito de cada pessoa e cada povo. Isso para a Igreja, afirma o teólogo, corresponde ao Plano de Deus, trata-se do reino de Deus que já começa a acontecer na terra em que se concretiza por meio da igualdade social e da fraternidade universal.[106]
De acordo com o pensamento do Magistério da Igreja, a dimensão moral do cristão e da própria Igreja parte da essência da evangelização através de um engajamento pela libertação integral. O compromisso pela justiça e libertação assumido pelo projeto de evangelização da Igreja e de modo particular pela Igreja no Brasil, tende a reconduzi-la à missão de Jesus Cristo que através da sua palavra e da sua ação assumiu uma dimensão sócio-transformadora como sinal do amor de Deus. Por isso, a Igreja não pode separar a salvação da promoção da justiça e da libertação, pois essa dimensão é constitutiva de sua missão evangelizadora.
Diante desse contexto, em que a Igreja é missionária, e por possuir em sua essência o Espírito Santo desde a sua origem, ela assume a dimensão de Igreja-sacramento universal de salvação. Essa é uma das chaves da eclesiologia do Vaticano II, onde encontramos na Constituição Dogmática Lumem Gentium (LG) em seu primeiro parágrafo diz que a Igreja: [...]. Sendo [...], no Cristo, de certo modo o sacramento – ou seja, ela é sinal e instrumento, ao mesmo tempo – da união íntima com Deus e de unidade de todo gênero humano.[107] A partir desse axioma Igreja-sacramento universal de salvação que assume o caráter de povo de Deus, Corpo de Cristo, ela é sinal e instrumento do valor sobrenatural absoluto da união com Deus e de um bem humano, temporal, histórico.
Outra dimensão missionária da Igreja universal como sacramento de unidade e promotora da paz e da justiça é o seu desejo de unidade. E para isso tem se empenhado com ardor de unir em torno do único Pastor da Igreja: Jesus Cristo; todas as Igrejas com o espírito ecumênico:

Visto que hoje em muitas partes do mundo, mediante o sopro do Espírito Santo, pela oração, pela palavra e pela ação se empreendem muitas tentativas daquela plenitude de unidade que Jesus quis, este Santo Sínodo exorta os fiéis católicos a que, reconhecendo os sinais dos tempos, solicitamente participem no trabalho ecumênico. [108]

Por isso, a vivencia religiosa, a vida de fé e a teologia do futuro que se farão em meio a uma enorme pluralidade de outras confissões e em diálogo com elas, devem ser uma vivência, uma fé e uma teologia desarmadas. Porque a justiça e a paz só podem acontecer, portanto, no momento em que os seres humanos renunciarem a possuir o infinito. O diálogo entre as religiões é uma busca de todos que imbuídos do Espírito do Senhor conseguiram por um fim nas injustiças sociais.
Por outro lado, de acordo com o Projeto de Evangelização e Libertação na América Latina é claro que para o cristão e para a própria Igreja [...], não basta à denúncia das injustiças [...], mas, [...] se pede que seja testemunha e agente de justiça [...]. Esta, por sua vez, chama os cristãos a ser artífice da justiça e da verdadeira liberdade, e, simultaneamente, forjadores da caridade social. Assim também, pelo Espírito do Senhor que impele o Povo de Deus, na história a discernir os sinais dos tempos e a descobrir nos mais profundos anseios e problemas dos seres humanos o plano de Deus [...], encontrar na vocação do homem o desejo de construir uma sociedade mais humana, justa e fraterna [...] à luz do Evangelho de Jesus, como fundamento para encontrar horizontes que oriente a uma ação comprometida.[109]
Como Comunidade eclesial deve a Igreja fomentar com maior força e coerência evangélica um lugar de encontro com Deus e um espaço de fraternidade humana pelo seu dinamismo transformador ser sinal e instrumento de transformação da sociedade.
O Concílio Vaticano II afirma expressamente que o esforço realizado pelo homem ao longo dos séculos para alcançar melhores condições de vida corresponde à vontade de Deus que o criou para que exerça bem o domínio sobre o mundo de forma que através deste oriente o universo para Deus. Para o Concílio Vaticano II, o valor do progresso humano nos planos históricos e escatológicos, fundamenta-se, portanto, na ação transcendente do Criador. Sua vontade benevolente é que todos os homens cheguem à realização da própria vocação, a saber, a santidade e o encontro definitivo com seu Criador.
Por fim, toda essa ética da justiça tem de orientar as práticas da nossa humanidade e a Igreja[110] tem a incansável missão de semear e resgatar os valores essenciais do Reino de Deus mesmo que pareça anacrônico na lógica atual; deve ser anunciadora da Boa Noticia e denunciadora das injustiças. Para isso deve convocar um grande mutirão para fazer acontecer uma verdadeira revolução na consciência da humanidade, sobretudo de quem detém o poder do mundo, para globalizar a justiça e fazer acontecer à utopia da massa compartilhada sem exclusão, descobrindo a sua vocação mais sublime: a santidade que leve à participação da graça de Deus. [111]

3.3. Os Sacramentos: Sinais de libertação.

Segundo o teólogo Juan Luis Segundo, em seu livro: O Dogma que liberta, existe uma pretensão existente há séculos, assegurada pela teologia católica de que os sete sacramentos foram instituídos todos e cada um por Jesus Cristo, fato que de acordo com o teólogo é mais um caso típico de uma tradição não bíblica. Porém, é de senso comum entre os teólogos que cada sacramento, menos o batismo e a eucaristia, fora criado por Jesus indiretamente, através da Igreja que, com seu Espírito, foi batizando a existência de cada geração humana com os sinais de uma graça com que Deus acompanhava o ser humano ao longo de sua vida seguindo sempre a série de transformações mais significativas de sua existência. Sendo assim, a essa [...], eficácia se chamou, numa expressão difícil de traduzir para nossas línguas modernas, EX OPERE OPERANTIS. O que necessariamente o efeito desses sinais sacramentais provocam bons pensamentos e propósitos. [112]
De acordo com o teólogo Jesus Hortal, quanto à questão do efeito dos sacramentos na vida da pessoa humana:

Ao atingirem diretamente os momentos mais significativos da vida humana – nascimento, passagem para a vida adulta, iniciação da vida familiar, morte, entre outros – os sacramentos mostram visivelmente que a vida do cristão deve ser vida de graça em todos e cada um de seus momentos. [113]

Para que essa eficácia dos sacramentos possa favorecer a vida do cristão é preciso que este seja participante pela graça divina que flui do Mistério Pascal, Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo do qual todos os sacramentos e sacramentais adquirem sua eficácia. [114]
Comungando da pedagogia da encarnação, a Igreja comunica hoje Jesus Cristo na vida do ser humano por meio do sinal da comunidade visível da graça. Para isso, o teólogo Paulo César, em seu livro Sacramentos e Evangelização, afirma que a Igreja deve assumir no seu projeto de evangelização a dimensão de presença viva, pois [...]. Cristo e a sua obra de salvação não podem ficar como pura lembrança na memória dos homens, mas devem assumir o caráter de uma autêntica presença.[115]
O autor mais uma vez, acentuando o relacionamento dos sacramentos com o evento da encarnação, cita em sua obra o teólogo Yves Congar para dimensionar a eficácia salvífica existente em si que diz: O sacramento primordial que é o próprio Cristo, exige um sacramento de comunicação em nível de história humana com estrutura análoga àquela da encarnação. [116]
Pelo batismo o cristão se une ao Mistério Pascal de Cristo assumindo o compromisso na busca da cidade futura sem esquecer a dimensão social da sua existência. Assim como a história da salvação é a história do povo de Deus em marcha, a aventura individual do batizado é estar em constante procura do Cristo. Deve essa aventura ser um esforço constante em querer transformar o mundo para torná-lo mais digno da humanidade.
Segundo o teólogo P. Ferlay:

A encarnação do Filho e a sua Páscoa dão uma dimensão insuspeita à solidariedade fraterna dos homens.Uma pregação da Salvação que se desinteressasse da justiça não seria mais que hipocrisia. Combater pela justiça não é transpor para este mundo um ‘Reino que não é deste mundo’ (Jo 18,36), mas tomar a sério a Encarnação. [117]

Portanto, concatenando todos os sinais sacramentais que leva o ser humano a participar do processo de libertação, a Igreja como comunidade sacramental viva, não pode fazer um discurso sem relação com a verdade; ela não pode anunciar a mensagem da Boa Nova senão a partir da verdade. Assim, afirma Philippe Ferlay em seu livro Jesus nossa páscoa. Teologia do mistério pascal [...].O seu serviço neste mundo obriga-a a participar com todos os homens a procura da justiça, a denunciar o mal sob todas as sua formas. O amor concreto do irmão exige o combate pela justiça.[118]
Esta manifestação do assumir o compromisso com a justiça, norteando-a a libertação, se desdobra através da Luz Pascal, que envolve os cristãos e a Igreja, e por meio de uma comunicação, simbólica, real, corporal, humana e ao mesmo tempo divina. Esta manifestação comunicativa insere no dinamismo sacramental, ordenado ao processo salvífico da encarnação, gestos de fé, mistério-transcendente e realidade concreta que ultrapassa a barreira do mágico, assumindo e santificando a humanidade e a história, e que torna a liturgia viva pela qual celebramos e expressamos a fé no ressuscitado e em conjunto redimensionamos a um compromisso ético, que iluminado pela fé, se compromete radicalmente a uma práxis concreta em todos os âmbitos da vida.
Através dos sacramentos a Igreja leva o cristão a ser um membro vivo da Igreja comunidade de fé. E pela eficácia do sacramento em sua vida este é chamado a ser sinal de libertação.
Portanto, na fé do povo de Deus, vivificado pela força dos sacramentos em meio à sua realidade de povo oprimido, que pelo Espírito do Senhor é animado a lutar pela justiça e libertação, no seu compromisso sincero e fiel a Igreja sacramento vivo, assume a causa dos pobres, dos excluídos, que se encontram nos rostos desfigurados, e que continuam a clamar ao céu (Ex 3,7), exigindo que se faça justiça (P. nn. 31-39; SD nn. 178-179). [119]





3.3.1 Os Ritos: expressões vivas da comunidade.

O ritual cristão revela a supremacia de todos os símbolos humanos e todos os rituais convergem para seu mistério, o Filho de Deus encarnado, que se torna a expressão mais elevada do amor de Deus pela humanidade.
Nos rituais encontramos os símbolos que se tornam instrumentos eficazes para comunicar os valores que integram o homem ao seu Criador. Os ritos, pelos símbolos, viabilizam a interação das duas realidades distintas pelo sentimento que unifica duas pessoas distantes; pela matéria quando une dois objetos separados e pelo espírito quando unifica realidades humanas e divinas.[120]
Podemos expressar através dos ritos a ação de querer celebrar o sentimento humano que se servindo dos gestos, palavras e símbolos atravessam o Espírito humano para integrar a humanidade a Deus sem esquecer a sua dimensão pascal. Os ritos exercidos pela comunidade em todo o seu universo devem permitir o encontro do povo de Deus com o seu Senhor. Isto dá origem à fé comunitária que continuamente é reinterpretada e renovada de acordo com a realidade histórica. Fazendo assim, Jesus Cristo tornar-se o perene cordeiro e seu mistério pascal se atualiza em todos os povos e nações.

3.3.2 Eucaristia: sacramento da unidade em uma dimensão social.

O tempo em que Jesus viveu e exerceu sua missão messiânica foi marcado por um sistema de exclusão social e por uma religião como instituição ativa e determinante no processo da formação do povo judeu. Tinha como elemento a Lei que na ótica social justificava a ordem estabelecida classificando o homem como sendo puro e impuro. Nessa realidade, quem fazia parte da classe dos puros detinha o poder e a riqueza. Dessa maneira, formava-se um círculo vicioso para os pobres, que não podiam ter vida econômica melhor porque não eram totalmente puros, e não podiam ser mais puros porque não tinham possibilidade econômica. Isto é, prevalecia a [...] idéia de que Deus fazia uma seleção natural de seus escolhidos, sendo os mais abastados. [121]
Para Jesus essa situação era diferente. Ele contradiz o sistema de valores deste mundo onde os pobres e pequenos não contam. Em Jesus, o amor livre e gratuito de Deus é anunciado a partir dos pobres e de suas necessidades, de seus direitos e dignidades, de sua cultura e, sobretudo, a partir do Deus que quer situá-los dentro de sua encarnação. Com essa pedagogia de caráter social Jesus inclui os pobres como sendo os últimos que serão os primeiros (cf. Mt 20,1-16). [...] Enquanto aqueles que estavam no poder arraigados no conforto material esqueceram o conhecimento de Iahweh [...] (Os 4,4-7); [...] criaram falsos profetas para enganar o povo e conduzi-lo à ruína [...] (Am 8,5 // Mq 3,1-3; 6,9-15).[122]
Mas Jesus mostra a gratuidade do amor de Deus quando se põe à mesa com seus discípulos, como lugar plano, onde toda as diferenças são superadas e a igualdade fraterna precisa estabelecer-se diante de uma nação pobre de justiça, onde os detentores do poder em lugar de estar do lado do povo estavam do lado dos poderosos.
Quando falamos da Eucaristia como Sacramento de Unidade, a sua natureza real encontra seu fundamento na instituição de Jesus conforme anuncia os documentos neotestamentários. Toda a liturgia e teologia da Igreja se entendem como desdobramento dos enunciados fundamentais dessa instituição.
A instituição da Eucaristia é anunciada em quatro textos neotestamentários: Mt 26, 26-29; // Mc 14, 22-25; // Lc 22, 15-20 // 1Cor 11, 23-26.
Antes de tudo, não podemos esquecer que a última ceia não deve se apresentar destituída de qualquer relação com a vida de Jesus e de seu tempo. Não é essa refeição um fato isolado, mas um final marcante de uma praxe de refeição cultivada por Jesus relacionada ao acontecimento do Reino de Deus.[123]
Além disso, os relatos da instituição buscam narrar um fenômeno sui generis, conseqüente da vida e da pessoa de Jesus: auto-entrega e autodistribuição de Jesus na forma de alimento e celebração anamnética de sua morte expiatória. Os relatos sinóticos, sobretudo o de Lucas, apresentam a realização da ultima ceia em meio a um conjunto de gestos, de palavras e de relações pessoais que focalizam o momento mais dramático da vida de Jesus: a proximidade de sua morte. Assim, a instituição da eucaristia além de ser um acontecimento ligado à praxe ministerial de Jesus, a última ceia está ligada também à sua morte.
O desejo de Jesus em querer cear com os discípulos remete a um gesto humano (Lc 22,15), útil porque se realizou dentro do contexto social em festa; simbólico da reunião de amigos e amigas juntamente com as crianças que o ouviam e o seguiam de perto e um gesto sagrado visto que se realiza numa comunidade escolhida e dentro de um rito sacro-religioso dentro do espírito da Pesha, a Festa do Cordeiro e dos Pães ázimos.[124]
Na ceia Jesus quer mostrar que o seu ápice é o partir do pão. Ele também leva a comunidade a uma reflexão que conduz a uma prática de vida comunitária a qual pressupõe a partilha dos bens para suprir as necessidades dos que não tinham nada, um verdadeiro ato de amor. Um amor sem medida até o extremo (cf. Jo 13,1). Do ponto de vista religioso, a memória ritual para os israelitas é uma atitude importante, pois em uma celebração se atualiza sempre o passado e o torna presente. Assim, Jesus também quis deixar viva a sua presença mediante o acontecimento da ceia pascal como uma realidade visível para mostrar que Deus continua agindo na história da salvação. Ao cear a Páscoa com os discípulos e a comunidade presente Jesus trouxe para junto de si os que comendo do pão dado por Ele, como seu corpo, e bebendo o vinho dado por Ele, como seu sangue, participem do banquete da vida eterna.
Isso leva ao relato da multiplicação dos pães enquanto o povo estava com fome de pão. No pão distribuído estará a superação de todas as necessidades. A proposta de Jesus é que a solução do problema da fome seja feita a partir de uma atitude comunitária.
A experiência que Jesus tem com o povo com fome no deserto na sua plena miséria vai provocar a sensibilidade, o bom senso e a sabedoria dos seus em relação ao contexto social.[125]
A sacramentalização desses gestos crísticos são a concretização do mistério de Deus. Em que Jesus através de gestos humanos valoriza por meio de uma re-leitura de um fato sócio-histórico e dá um sentido novo ao contexto de transformação religiosa.
Sendo assim, ao cear com a comunidade apostólica e com os seus seguidores, Jesus notabiliza o contexto social do povo que com fome grita denunciando algo que está errado. No corpo social, diz o teólogo Antonio Souza, a fome, a miséria, revelam a perda de segurança, desequilíbrio, exclusão social.[126] A fome é um alerta para a morte de gerações, a existência de injustiça. A Ceia do Senhor é a refeição que se comunica no gesto do inconsciente coletivo do grupo dos íntimos de Jesus de Nazaré. O gesto de unidade do grupo se revela no dinamismo do viver.
A Ceia do Senhor como sacramento e os fatos inclusos podem evidenciar a sua dimensão social, sem esquecer a importância da sacramentalidade eucarística como fonte de graça e salvação.

3.3.3 Eucaristia: sinal vivo de justiça e paz.

Ao perceber a situação do povo diante da realidade de extremo sofrimento, Jesus assume um compromisso que implicará em uma mudança do tempo histórico e manifesta o plano de salvação como expressão pascal e como meta de libertação. Na nova páscoa, recordada na última ceia, como memória de libertação Jesus manifesta o seu desejo e também a alegria de estar junto com os que o amam: Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de sofrer, pois eu vos digo que já não comereis até que ela se cumpra no Reino de Deus (Lc 22,15). De acordo com o teólogo Antonio Carlos de Oliveira Souza, em seu artigo: A Ceia do Senhor e compromisso social, [...]. Ser admitido para comer com o Messias é um símbolo profundo de reconciliação, comunhão e participação nos bens messiânicos. [127]
A realidade vista por Jesus não o afastava do seu povo, mas o inseria no seu contexto histórico e desse modo ele ia se identificando com os anseios e esperanças de quem já não sabia o seu destino. É através desses encontros que surgem relações cada vez mais profundas entre Jesus e os doentes, pobres, publicanos, mulheres como também gente de terras consideradas impuras, esmagada pela angústia de estar excluída da pureza do povo da Aliança. Por isso, já não mais se dirige ao Templo de Jerusalém, mas ao deserto e ao corpo de Jesus, solidário de quem se encontra excluído.
Essa relação interpessoal de Jesus, no dia a dia, em povoados, vilarejos, campos e cidades, no deserto com o povo, o deixava profundamente imbuído de sentimento de compaixão. Podemos dizer que esse sentimento é uma reação que nasce do mais profundo da dignidade humana, mesmo quando essa dignidade é ameaçada, desrespeitada de alguma forma. E é com essa atitude que Jesus encontra razão para fazer um julgamento sócio-político do momento, quando ao olhar a conjuntura Jesus percebe que o povo está desorganizado e por isso passa fome e tem sede de justiça.
Jesus nunca despediu a multidão, mas a deixou com sentimento de que é preciso a união. Com isso, Ele conscientiza os discípulos de que a fome de pão não se sacia com conselhos e nem com dinheiro. É preciso organizar. E para que isso aconteça exige-se um compromisso que é o dar-se por inteiro: [...] Isto é o meu corpo que é dado por vós [...] (Mc 14,22). Jesus se encarna no pão e neste pão se dá a união entre a humanidade de Jesus e a ação salvadora do Cristo dada por Deus a humanidade. Nesse sentido Jesus quer trazer para a memória do povo o Sinal da Aliança que era feita sempre na ceia como proposta de comunhão com Deus. Neste aspecto a Aliança de Deus com os homens se realiza quando os homens se unem e se doam a si mesmos na solidariedade.
Este gesto de Jesus cear com a multidão e de se oferecer como o pão vivo, e pão de unidade, assume um gesto de uma ação profética, pois Ele quer afirmar a presença do Reino de Deus, que é para todos.
Isidoro Mazzarollo em seu livro Eucaristia Memória da Nova Aliança Continuidade e Ruptura, diz que:

Na última ceia, Jesus presta aos seus convidados o serviço de servo (Lc 22,27; Jo 13, 1–17). Esse fato leva os discípulos ao redimensionamento de seus projetos de vida, pois daí por diante a acolhida dos pobres, dos relegados pela sociedade e das muitas classes de excluídos começa a fazer parte da nova sociedade. Os dons que cada um tem significam a possibilidade de participação na vida comunitária, a “mesa do mundo” torna-se a antecipação da mesa no Reino (Lc 22,16.18). [128]

A partir dessa entrega, Jesus convoca a comunidade para que esta em um gesto comum possa oferecer o pão que existe dentro de cada um. Mas para que aconteça de fato é preciso que o povo esteja organizado e instruído em buscar a solução do problema da falta de pão na socialização do pouco [...], dai-lhes vós mesmos de comer (Mc 6,37).
Com essa metodologia Jesus vai se familiarizando e ao mesmo tempo afirmando que a intervenção de Deus no processo da caminhada do povo de Israel diante das mais diversas situações da vida, se dá através dele, o Messias, o libertador da opressão, da miséria, da fome, da doença, da desgraça, da pobreza, da morte.[129]
Jesus se encontrava com o povo e este, aos gritos suplicava misericórdia e piedade. Neste grito estava sufocado o desejo de liberdade. Liberdade que poderia ser conseguida mesmo se fosse comendo as migalhas de pão que caem da mesa dos seus donos, testemunho de fé e do querer ser pessoa integrada na solidariedade (cf. Mt 15,25-28).
A cada passo Jesus tomava consciência dessa realidade. A sociedade e a religião encobriam, sob leis iníquas, os mecanismos da exploração e que como conseqüência estimulavam a exclusão do pobre do convívio social, quando [...] o ter ou o querer ter tudo torna a pessoa cega e insensível. [130] Essa era a realidade em que se encontrava o mundo judaico. Do ponto de vista social Jesus concretiza o agir de Deus mais uma vez no deserto, longe das cidades e do centro do poder. Experimenta essa ação quando atrai para si todos os que lutam contra todo tipo de opressão e que desejam construir uma sociedade fraterna e justa. Acrescenta Isidoro Mazzarollo, em seu livro: Lucas – A Antropologia da Salvação, que:

Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna (Jô 6,54). Beber e comer do corpo e sangue é participar da plena comunhão em Jesus, é também acolher na sua presença os corpos de quem luta pelo pão de cada dia, e lugar para morar. O profeta Isaias alerta para essa tentação afirmando que para obter tudo o que querem, os poderosos inventam os valores: ‘Ao mal chamam bem e ao bem chamam mal. Condenam o inocente e absolvem o culpado (Is 5, 20-25), legitimando suas más e perversas ações promulgando leis iníquas, que lhes permitem de certo modo, alcançar “legalmente” essas posses criminosas (Is.10,1-4). E com essas maquinações os poderosos vão juntando casa a casa, campo a campo até que não haja mais espaço para os pobres na terra. [131]

E o ser humano corrompido pela poder e o pecado, mesmo tendo o conhecimento da lei que de Deus provera para fazer justiça e promulgar a liberdade, já não tinha misericórdia e sim vivia na incredulidade.
Através de uma política social o povo deve se organizar para partilhar o pão e começar a viver a anamnesis vivida por Jesus com os pobres, os que perceberam que o pão dado por Jesus é o pão da vida, pão inclusivo e quiseram transformar a própria vida (cf. Jo 6,58-60) e partilhar tudo aquilo que é dom de Deus. Na política da economia da partilha juntando o pouco que se tem acontece à multiplicação do pão em que é vividos a verdade, a dignidade e o direito. Acontecendo a justiça para o ser humano, abre-se a porta do verdadeiro significado da Eucaristia que é fazer dos bens uma forma de seguir o Mestre (Lc 18,18-23).
Antes de tudo, é bom perceber que o caráter pedagógico dos gestos de Jesus neste contexto tem um profundo questionamento diante da realidade sócio-religiosa e convoca a todos a um comprometimento com a causa social, principalmente no repartir do pão, pois neste contexto o pão repartido está ligado com a dimensão da justiça. Porque se esta não é para todos não pode haver fraternidade, porque a justiça é o ponto de partida da ação profética para a concretização da Aliança.[132]
Os gestos feitos por Jesus: [...]. E tomou um pão, deu graças, partiu e deu-o a eles, dizendo. Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória. E, depois de comer, fez o mesmo com a taça, dizendo: Essa taça é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado por vós (Lc 22,19-20). Esses dois momentos assumem uma dimensão de um repartir e na sua totalidade o Pão constitui a unidade do todo. Pois estavam ali para partilhar o pão e celebrar a partilha do dom da vida. Como fez Moisés no deserto dando o maná ao povo. Jesus se apresenta como sendo o novo maná, o verdadeiro pão, o Pão da vida (Jo 6,35) aquele que é enviado por Deus para a salvação da humanidade (Jo 6,22). Através da Partilha do Pão no evento da Eucaristia, Jesus exprime o próprio desejo de compartilhar com os discípulos e a comunidade a experiência da dor e ao mesmo tempo, o firme propósito da continuidade da própria causa que se encontra no passado em vista de uma antecipação do futuro, onde nós celebramos a Ceia Pascal hoje como sinal de comunhão fraterna, após a conversão dos costumes feita através do batismo.
Para Isidoro Mazzarollo, [...] a fração do pão e as orações eram a dimensão celebrativa deste conjunto.[133] Pois, ambos têm uma unidade no seu modo de se expressar. Como também é o próprio Jesus que age e dá sentido aos dois acontecimentos e os sacralizam. É Jesus quem parte o pão depois de dar graças e distribui aos que estão com ele. O efeito deste gesto ultrapassa o sentido unitário do pensamento individualista e da prática da sociedade, pois o pão que é partido e repartido assume no campo da justiça social o lado oposto da concentração. Este propósito tem como objetivo a restauração do Projeto de Deus que para Jesus não é uma promessa para o amanhã, mas uma realidade atualizada através da Instituição da Eucaristia que na sua essência é partilhar e a partilha é toda uma busca de vida que exige uma atitude concreta de quem comunga o corpo e o sangue do Senhor.
A partir da Ceia Eucarística onde Jesus consolidou em suas atitudes a mesa da inclusão, não podemos celebrá-la sem apresentar o empenho concreto do querer realizar a comunhão e a solidariedade entre as pessoas.
Para isso, o teólogo J. Adazábal, diz que:

A abundante ‘comensalidade’ de Jesus; os sinais da multiplicação dos pães e peixes, o milagre da conversão da água em vinho, os anúncios do Reino na categoria de banquete festivo, as refeições com Jesus ressuscitado (cf. At 1,4 // 10,40-42 // Lc 24,36-49 // Mc 16,14 // Jo 21,1-14), juntamente com a experiência da última ceia de despedida, com os seus gestos e palavra sobre o pão e o vinho e a doação de Jesus como comida, certamente estão na base da compreensão eucarística dos cristãos.[134]

Partindo do princípio de que a refeição eucarística é a fonte de unidade comunitária o apostolo Paulo, por sua vez, irá qualificar como ‘indigna’ uma comunidade cristã que participa da Ceia do Senhor e verifica a existência dos sentimentos da discórdia e da indiferença pelos pobres (1 Cor 11,17-22.27-34).
Diante da Celebração Eucarística, o cristão deveria ter o pleno conhecimento de que a comunhão do corpo do Senhor só tem sentido quando houver previamente a comunhão com o corpo social.[135]
João Crisóstomo, in Sinivaldo Tavares, pregando sobre o Evangelho de Mateus, (5, 3-4), diz que:
Aquele que disse: ‘Isto é o meu corpo’ [...] também afirmou: ‘Viste-me com fome e não me deste de comer’. De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo com vaso de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Primeiro dá de comer a quem tem fome e depois ornamenta a sua mesa com o que sobra. [136]

Portanto, celebrar a Eucaristia na comunidade pressupõe um empenho, e este empenho exige que se encarnem na própria vida da comunidade e na vida pessoal os valores pelos quais Jesus viveu e morreu. Desse modo, quem assume e participa da mesa da Ceia do Senhor é impelido a assumir o compromisso de transformar o mundo, porque enquanto houver pobres, famintos e necessitados de pão, a Ceia Eucarística dos cristãos será incompleta. [...]. Quando no seu meio houver um pobre, mesmo que seja um só de seus irmãos, numa só de suas cidades [...] não endureça o coração, nem feche a mão para esse irmão pobre [...] (Dt. 15,7). Pois, para essa situação inaceitável não perdurar é preciso que o povo que sofre tome consciência e se levante apoiado pelos movimentos sociais e pela Igreja. E ao ser chamado para uma nova multiplicação dos dons e para celebrar a Eucaristia numa comunidade, reunida e viva, convocada pelo Senhor Jesus que mandou fazer isto em sua memória partilhe o pão de tal modo que ninguém passe necessidade.[137] Assim, não teremos mais miseráveis, e sim os verdadeiros filhos de Deus, usufruindo o dom da vida na paz e na justiça.










Conclusão

A reflexão sobre: A manifestação da Justiça de Deus em Jesus Cristo como tema principal da Síntese Teológica que ora apresentamos, vem de conformidade à percepção do seu desenvolvimento, a partir do momento em que Deus toma a decisão de criar o mundo, e nele o homem e a mulher, para fazer participante do seu amor, como instrumentos de uma humanidade justa e solidária.
A dimensão social da Justiça divina para todos merece sempre uma especial atenção.
Por se tratar de uma dimensão que redimensiona o contexto vital do projeto salvífico de Deus, tendo em vista o seu desígnio de salvação, que outrora foi quebrado pelo pecado do ser humano e que alcançou o seu ápice e realização no mistério pascal com o testamento de Jesus que constitui a unidade do todo. A Justiça exprime a totalidade de uma realidade específica, que possibilita a relação de reciprocidade entre as demais dimensões, desde a sua anamnésis, a epíclética, a escatológica e por fim as dimensões cósmicas que neste contexto expressam a totalidade em Jesus Cristo diante da realidade da criação. Pois é e foi por Ele que tudo Deus criou. Jesus é primogênito de toda criatura. (cf. Cl 1,12-20) Portanto, a Encarnação surge como horizonte de sentido no interior do qual repousa a complexidade do cosmo inteiro.
A História da Salvação é ordenada à existência de uma íntima relação entre o Criador e toda a sua obra, de modo particular o ser humano. Por isso Deus, apesar dos caminhos adversos da humanidade, nunca a abandonou e sempre por gesto e atitude de abandono do seu Ser vem ao encontro da humanidade nas mais diversas etapas da história.
Encontramos na manifestação da Justiça de Deus na História da Salvação elementos que nos inserem em uma realidade que exige um compromisso a ser estabelecido diante das diversas atitudes na prática pastoral em que o sujeito da ação é a Igreja hoje. Esta transmite como sinal da Justiça à presença real de Cristo na íntima união de Deus com o ser humano. Por isso que ela é definida como sendo o Sacramento da unidade.
O Documento de Puebla, a reconhece e assume com convicção que o papel da Igreja é evangelizar, fundamentando-se na Exortação Apostólica: Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, a Igreja existe para evangelizar, para anunciar o Evangelho vivo de Jesus Cristo aos homens e aos povos concretos. Antecipando este evento o Concilio Vaticano II, expõe que: [...], o próprio Deus se manifestou e foi reconhecido através dos acontecimentos da história, até chegar o tempo da plenitude, em que o pacto de amizade estreito entre Deus e os homens se efetivaram no Filho que veio, como homem, para reconquistar os filhos dos homens e reconduzi-los para o Pai. Após a sua missão de difundir o anuncio do Reino de Deus aqui na terra em comunhão de vida, na caridade, na verdade e na justiça. (cf. LG 9).
A história da salvação fala-nos Deus sob a iluminação da Palavra profética que reconhecemos inspirada pelo próprio Deus. A Palavra de Deus percorreu toda a história, mediante a tradição do povo, até os dias de hoje. E esta sempre animou e vivificou pelo Espírito do Senhor, respondendo aos problemas, aos anseios mais profundos de liberdade, de comunhão e de vida nos momentos mais turbulentos que cada ser humano passa ou é obrigado passar.
Sabemos que a presença real de Cristo na Eucaristia realiza e concretiza de imediato a ação do batismo, pois este sacramento nos transforma e nos dá a condição para nos tornarmos membros vivos da Igreja. O Cristo na Eucaristia impele-nos à caridade, dentro e fora da Igreja, por que para viver humanamente esta realidade profunda e servir efetivamente como sacramento de comunhão profunda na sociedade humana, a Igreja deve realizar-se socialmente em comunidade.
Apropriando-se da Eucaristia como fonte de graça e força, estas virtudes eucarísticas darão sentido à nossa caminhada através da história pois celebrando a Ceia do Senhor seremos providos dos dons da caridade e da solidariedade e consolidaremos em nós as comunhões eclesiais, que aperfeiçoarão em nós o espírito do verdadeiro amor pelos pobres, como portadores da paz e promotores da justiça.
Na dimensão social da Eucaristia, encontramos elementos que nos inserem em uma realidade que exige um compromisso a ser estabelecido diante das diversas atitudes da prática pastoral em que o sujeito da ação é a Igreja. Esta transmite como sinal da presença de Cristo a íntima união de Deus com o ser humano, dada na Celebração da Eucaristia definida como sendo o Sacramento da unidade.
Diante da nossa realidade podemos experimentar na sua prática o quanto à sociedade se distancia do real sentido da Celebração da Ceia Eucarística, a Ceia do Senhor e do conceito de moral e da ética. Pois quando Jesus deu de comer à multidão no deserto, ele quis reunir em torno do pão, símbolo de unidade, todos os que estavam à margem da sociedade e devolvê-los ao Pai, como membros da sua Igreja. O distanciamento da sociedade da participação da Eucaristia e da práxis social pela justiça é fruto de uma mentalidade neoliberal que se projeta para o individualismo, deixando assim o homem fora do processo de transformação do mundo.
Mesmo estando diante de uma conjuntura em que acontece a pluralidade religiosa, e em que na sua particularidade cada Igreja possui a sua maneira de celebrar a memória do Senhor, evidenciamos a falta de uma consciência mais social perante o acontecimento da Eucaristia hoje, principalmente no que concerne ao compromisso assumido por Jesus diante da partilha do pão.
Trazer para participar como membro vivo da comunidade e da Ceia do Senhor todos os que se encontram à margem da sociedade é uma tarefa desafiadora para a realização de um trabalho pastoral. Principalmente quando os pobres se sentem excluídos do seio Igreja, não por estarem na situação de pobreza, porque a Igreja tem feito ao longo dos tempos uma opção preferencial por eles e tem como ponto principal à evangelização a sociedade que exclui e oprime o pobre. Espera-se que essa se converta e caminhe na fidelidade dos ensinamentos de Jesus que foi sensível para com os marginalizados, mas pela condição moral de seus atos que no seu contexto social são tidos como naturais, ou que a situação os obriga a agir de tal maneira. Podemos socializar tais situações: A vida matrimonial: o que fazer para que permaneça no seio da Igreja aquele que vive na comunidade como cristão depois de uma separação conjugal sem participação no Sacramento da Eucaristia?
A mulher vitima da prostituição: aquela que estando no mundo sem perspectiva de vida é obrigada a se prostituir para garantir a vida da família. Outra situação que ainda observamos é quando se trata da opção sexual do indivíduo, no que concerne ao homossexualismo. Na sua doutrina a Igreja solicita que o individuo se converta pela prática da abstinência sexual, pois seus atos são intrinsecamente desordenados. Porém, como ser humano deve ser acolhido e amado. (cf. Catecismo Igreja Católica n. 2357)
Também podemos mencionar o afastamento dos jovens da comunhão, porque muitas vezes não encontram seu espaço no seio da Igreja. Como também outros elementos constitutivos da sociedade cristã. Com isso, preferem se fazer presentes nas grandes Catedrais Sociais, os Shopings Centers, que lhes oferecem grandes lojas que são veneradas no lugar dos Santos e participam da Comunhão diante do grande Altar das praças de alimentações. São questões desafiadoras hoje porque ainda não encontramos uma pastoral adequada que desenvolva um trabalho para solucionar tais situações. Por isso, como desempenhar uma pastoral que não seja excludente?
O pão eucarístico oferecido como vertente de salvação para a humanidade é também a força e a ação missionária da comunidade que comungando do corpo e sangue de Jesus procura desenvolver através de atitudes comunitárias e de uma catequese renovada fazer com que o individuo se torne agente transformador de sua própria sociedade e permaneça no seu caminhar fiel ao evangelho e aos ensinamentos da Igreja. E esta faça crescer através de uma pastoral social e urbana que o Sacramento da Eucaristia como elo de recepção de todos os aspectos da vida cristã: a santificação, o empenho moral, a caridade fraterna, o homem que caminha paulatinamente em busca de sua libertação.
O grande paradoxo da pastoral é em relação de como celebrar e restaurar hoje a Eucaristia como compromisso de instauração do Reino de Deus. A partir de então como assumir o gesto de querer ser profeta ao ouvir o clamor do povo que passa fome, sem emprego, sem teto, ligado a grupos de minorias e de risco e é obrigado a viver em condição de refém diante de um sistema que não apresenta uma proposta concreta para acabar com todo tipo de violência? Como permanecer fiel aos princípios da celebração do sacramento de fé e sinal de unidade diante da realidade em que se encontra o mundo, onde 2/3 da população do planeta vive excluída, econômica, social e culturalmente? Como celebrar a Eucaristia – o ágape fraterno – numa situação de injustiça, discriminação, violência e morte? A injustiça é então a violação da personalidade daquele que sofre. É a pura ameaça de morte. E isso porque atingir a dignidade do ser humano é atingir sua vida.
Aqui se refletiu a Justiça de Deus, manifestada em todo segmento salvífico que delineou a presença pelo anúncio do Reino e esta devem ser diretamente a partir dos pobres porque vendo estes menos favorecidos, mais sofridos, a Igreja move-se na mesma atitude de Jesus que tem compaixão e expressa sua solidariedade frente a eles, porém livre de qualquer particularismo e sectarismo. A Igreja tem a consciência de que a pobreza nos seus níveis mais desumanizadores é o sinal mais visível do pecado, fruto do egoísmo humano, e como tal denuncia este mal, a fim de erradicá-lo do mundo. Tendo que se manifestar assim, muitas vezes a Igreja Latino-americana foi, por muitos mal interpretada, embora tal opção seja de clareza evangélica inconfundível, pois o próprio Cristo e seus apóstolos a viveram como expressão do amor do Pai, que se revelou desde os primórdios em favor do necessitado.
Alguns grupos eclesiais por vezes não se abriram ao anúncio da Boa Notícia e sacramentalizando de forma exclusiva a ação libertadora do Pão Eucarístico se fecham no circulo vicioso de suas cansativas reuniões. Hoje vemos um fenômeno cada vez mais presente em nossas comunidades: a existência de grupos que não se admitem serem missionários para transformar mediante uma práxis libertadora o mundo exclusivista e individualista que gera sob sua leis e políticas econômicas um numero cada vez maior de filhos de Deus exclusos do mundo que por Deus foi criado. E vivem alimentados por uma teologia sacramentalista da retribuição e elitista. Que denomina o Deus libertador do povo de meu Deus. E não nosso Deus. E em vez de dá de comer a quem tem fome, passa a adorar o Sacramento da Unidade como se a sua única função fosse de prostar sobre o seu jugo o ser humano e fazê-lo servo, já que Jesus não mais chamava os seus de servos e sim de amigos.
Lembra-se que não foram poucos os conflitos entre os clérigos de um mesmo presbitério, bispos, grupos, movimentos e pastorais, que assumindo tal dimensão como proposta pastoral foram renegados pela sociedade.
Respondendo a essa realidade a Igreja hoje busca a mesma perspectiva da origem, tornar conhecida a Boa Nova, o anúncio do Reino de Deus, promessa e realização, a partir da convocação de cada cristão para repartir o pão da solidariedade, promover a paz e restaurar a justiça de forma que cada um ajude na construção de uma nova humanidade, cheia dos desígnios de Deus.
A Igreja particular de Nova Iguaçu, através do seu Primeiro Sínodo 1987 - 1992, mantendo pela meditação da Palavra de Deus a tradição da Igreja universal, do magistério, da reflexão teológica e, de modo especial pela ação do Espírito Santo em seu povo, o da Baixada, foi descobrindo e assimilando em sua conjuntura pastoral e a partir de uma releitura de suas diretrizes, e traçou um plano pastoral que garantiu a fidelidade à tradição viva da Igreja, porém ao mesmo tempo assumiu um Espírito de renovação de suas estruturas, das iniciativas e dos métodos, que são ao mesmo tempo cristológicas e eclesiológicas baseadas tão somente nas manifestações dos dons do Espírito Santo como agente transformador e inserido no seio das comunidades gerando vida, paz e justiça. Como também a Assembléia Diocesana 2004, na sua atual conjuntura redefine e assume com força e fé o caráter essencial da vida da Igreja na Baixada, o seu ser missionário e promotor da paz e da justiça diante da atual realidade em que vive o seu povo, marcado por violentos atos de agressão contra a pessoa humana. A Igreja na baixada convoca a cada homem e mulher, cristãos e não cristãos, como sacramento vivo e de unidade, a se unirem através e pelo seu plano pastoral, missão, acolhida ao diferente e a formação permanente como meio de formação de opinião à unidade em nome do primordial sacramento do Deus vivo, o seu Único e eterno Filho Jesus Cristo, afim de que através de um trabalho em conjunto possam erradicar o pecado que gera toda a violência contra o povo.
Portanto, diante dos desafios existentes na atual conjuntura, a justiça de Deus não pode perder a sua dimensão social. E através do seu chamado, cada pessoa deve permanecer exercendo o seu papel de promotor de justiça e através da participação na Mesa da Palavra e da Mesa Eucarística deve fomentar o caráter de mesa de inclusão em que a perspectiva de cada homem e mulher dentro do seu segmento social possa firmá-lo como cristão decidido a aceitar o chamado sob a luz do Evangelho a contribuir para a edificação de um mundo humano e pleno dos desígnios de Deus.















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[1] Cf. VILCHEZ LINDEZ, José. Sabedoria e sábios em Israel, São Paulo: Loyola, 1999, p. 62.
[2] Além dos relatos Sacerdotais, que escolhi para usar nesta Síntese, há mais dois relatos o Relato Javista e o Relato Heloista.
[3] Cf. GARCIA RUBIO, Alfonso. Unidade na Pluralidade – O Ser Humano à Luz da Fé e da Reflexão Cristãs. São Paulo: 3ª ed; Paulus, 2001, Pp. 149 a 155.
[4] Espaço. “Na criação há espaço e tempo conjuntamente, mas essa única realidade em dois aspectos deve ser compreendida a partir da vitalidade das próprias criaturas. Não há primeiro um espaço vazio como condição prévia, para depois surgirem às criaturas adaptadas ao ambiente. Aqui, tudo o que é cósmico é simplesmente criatural. A luz é criatura e se alterna com as trevas. E estas, com o abismo do caos. A luz é, ao mesmo tempo, criatura e espaço para outras criaturas... As criaturas formam, em suas relações criaturais, espaços de criação umas paras as outras. Essa compreensão é ética, vocacional. Tudo o que é vital é decidido nas relações entre criaturas, e o verdadeiro lugar de cada uma não é um espaço neutro, uma paisagem impessoal; mas é o “alguém”, uma criatura que acolhe – que se faz luz e calor, ternura e nutrição, espaço maternal, regaço para as outras criaturas. O espaço é ambiente organizado pelas próprias criaturas para que cada criatura encontre, desde alguém e junto a alguém, lar. Cosmologia um não se dissocia da antropologia: humanamente, “ser luz” para as outras criaturas é colocar-se na condição de espaço que possibilita a vida das criaturas”. SUSIN, Luis Carlos, A Criação de Deus. São Paulo: Paulinas, 1987., p. 70.
[5] Cf. MUSSNER, Franz.Tratado sobre os Judeus. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 66.
[6] Cf. VERGES, Salvador Dios y el Hombre – La Creación. Madrid: Ed. BAC, 1980, p. 348.
[7] Concilio Vaticano I, Constituição Dogmática de fide catholica Dei Filius, cap. II apud Constituição Dogmática Dei Verbum. São Paulo: Paulinas 9ª ed. 2004, n. 6.
[8] GARCIA RUBIO, Alfonso. Op. Cit; p. 118.
[9] Id. VERGES, Salvador. Dios y el Hombre ... , p. 289.
[10] Cf. Ibid., p. 288.
[11] Cf. GIRAUDO. Cesare, Num só corpo. Tratado mistagógico sobre a eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003; p. 29.
[12] IBAÑEZ ARANA, Andrés. Para Compreender o Livro do Gênesis.São Paulo: Paulinas, 2003, p.40.
[13] RUIZ DE LA PEÑA. Juan L. Teologia da Criação, São Paulo: Loyola, 1986, p. 35.
[14] Cf. Ibid., p. 33.
[15] Cf. ARANA IBAÑEZ, Andrés, Op. Cit; p. 84.
[16] Cf. GROSS, Heinrich. Mistrium Salutis, História da Salvação antes de Cristo II/2. A Criação. Petrópolis: Vozes, 1972., p. 34.
[17] SCHüTZ, Christian e SARACH, Rupert. In Misterium Salutis II/3, A História Salvifica antes de Cristo. Antropologia Teológica, Petrópolis: Vozes, 1980; p. 86.
[18] Ibid. ARANA IBAÑEZ, Andrés. Para Compreender..., p. 74.
[19] SILVA, Carlos Antonio da. O Perdão de Deus. Indivíduo e comunidade na atual configuração do Sacramento da Penitencia. – Dissertação de Mestrado, PPTSP – PUC/RJ, 2004., p. 27.
[20] RAVASI, Gianfranco. Êxodo. São Paulo: Paulinas, 1991; Pp. 28-29.
[21] Cf. Ibid., Pp. 65-66.
[22]ALIANÇA: O termo hebraico que designa Aliança – BERITH. Significa pacto estabelecido entre grupos ou indivíduos, ratificados judicialmente por juramento ritual. O rito ao qual se ligava a fórmula de juramento consistia na troca de sangue entre os contraentes do pacto, como símbolo de comunhão de vida. RICHETTA, Carlos. Os Sacramentos da Fé. São Paulo: Paulinas, 1991; p. 105 e 106.
[23] WOLFF, H. W. A Bíblia Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas, 1982; p. 59.
[24] SELLA, Adriano. Ética da Justiça. São Paulo: Paulus, 2003; p. 71.
[25] VIDAL, Marciano, Ética Teológica. Conceitos fundamentais. São Paulo: Ed. Vozes, 1999; p. 34.
[26] DOMINIC CROSSAN, Jonh. O nascimento do CRISTIANISMO. São Paulo: Paulinas, 2004; Pp. 241 a 175.
[27] Cf. SELLA, Adriano. Ética...,p. 99.
[28] Cf. VIDAL. Marciano, Ética Teológica..., p. 34.
[29] Cf. SELLA, Adriano. Ética...,, p. 103.
[30] Ibid, p. 108.
[31] BONNEAU, Guy. Profetismo e Instituição no Cristianismo Primitivo. São Paulo: Paulinas, 2003., p. 182. O autor comenta a opinião do Biblista K. STENAHL (The School of St. Matheus and Its Use of the Olde Testament. Philadelphia – Fortress – 1968), que considera que o Evangelho de Mateus servia de manual de vida cristã numa escola de formação de mestres e dirigentes de Igrejas, utiliza as citações de cumprimento para apoiar sua argumentação. O recurso de Mateus ao Antigo Testamento se ajusta aos contornos da sua cristologia e responde as necessidades da comunidade.
[32] Cf. Ibid, Pp. 182 e 183.
[33] Cf. Ibid. BONNEAU, Guy. Profetismo e Instituição..., p. 192.
[34] Cf. Ibid, p. 222.
[35] Cf. SILVA, Carlos Antonio da. Op. Cit; Pp. 36 a 38.
[36] Cf. SELLA, Adriano. Ética..., p. 90.
[37] Cf. MüLLER, Alois.In Misterium Salutis III/7. O Evento Cristo: A Atuação Salvífica de Deus em Cristo, Petrópolis: Vozes, 1994; Pp. 71 a 181.
[38] OTT, Ludwig. Manual de Teologia Dogmática. Barcelona: Ed. Herder, 1969; pp. 279 a 283.
[39] “O Magnificat é um canto de louvor ao Deus Santo. O Salmo 111 elogia a obra libertadora de Deus [...] A santidade dá sentido à sua obra libertadora. O Deus poderoso é também misericordioso. São os dois aspectos da sua grandeza. È uma força amorosa, de um amor eficaz. Sua misericórdia (hesed, segundo o termo hebraico) o torna acolhedor, terno [...]. O Santo, o totalmente Outro, não é um Deus distante. Fez-se carne, um de nós, no seio de Maria. A encarnação não lhe tira transcendência. Revela-nos de que santidade se trata. A santidade Daquele que cumpre suas promessas (Lc 1, 55), que entra na história para fazê-la passar à sua esfera, que transforma este muno. È o Deus da justiça”. GUTIERREZ, Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Loyola, 1990., p. 231.
[40] SELLA. Adriano. Ética..., p. 119.
[41] GUTIERREZ, Gustavo. O Deus da Vida., Pp. 222, 223; 231, 232.
[42] JOÃO PAULO II apud GUTIERREZ, Gustavo. O Deus..., p. 236.
[43] SCHILLEBEECK, E. Maria, Mãe da Redenção. Petrópolis: Vozes, 1960., p. 12.
[44] Cf. MüLLER, Alois. Mistérium Salutis. III/7., p. 133.
[45] SCHILLEBEECK, E. Maria, Mãe da Redenção..., p. 14.
[46] MüLLER, Alois. Mistérium Salutis., p. 132.
[47] MOÑOZ, Ronaldo. Evangelho e Libertação na América Latina – A Teologia Pastoral de Puebla, São Paulo: Paulinas, 1981., p. 132.
[48] Cf. Ibid. SELLA, Adriano. Ética..., p. 146.
[49] Ibid. GUTIERREZ, Gustavo., O Deus..., p. 24.
[50] A visão do Reino de Deus no AT. “A expressão Reino de Deus (malkuta Jahweh, basiléia tou theou) é uma formulação apocalíptica tardia, mas a ralação de Javé com a realeza aparece com freqüência no AT, sobretudo nos salmos e na liturgia. Essa realeza de Javé – sua capacidade de intervir na história – foi apresentada como matizes diversos e em várias dimensões ao longo da história de Israel. Assim, no período mosaico se acentuou o comando de javé e no tempo dos juizes, a sua exclusividade. Durante a monarquia – não sem graves conflitos teológicos – a realeza de Javé tornou-se compatível a do rei de Israel, que é adotado por Javé. Mas é depois do fracasso da monarquia e após as catástrofes nacionais do exílio, cativeiro e ocupação por potencias estrangeiras que foi aparecendo com mais clareza o que significa o esperado reinado de Deus: um futuro como reino de justiça para Israel enquanto povo e no seio do próprio Israel. A apocalíptica universalizou essa expectativa, estendendo-a inclusive cosmicamente; e, dado a seu pessimismo histórico, a escatologizou, quer dizer, fez coincidir o aparecimento do reinado de Deus com o final dos tempos em que dará a renovação definitiva de toda a realidade e a ressurreição dos mortos, pois este mundo – tal qual é – não pode receber a Deus. Reino de Deus tem, antes, duas conotações essenciais: 1) o governo de Deus em ação, 2) para transformar uma realidade histórico-social má e injusta em outra boa e justa”. SOBRINO, Jon. Jesus, O Libertador – A História de Jesus de Nazaré. Pp. 110 e 111.
[51] Cf. Ibid. SOBRINO, Jon. Jesus, O Libertador. A História de Jesus de Nazaré., Passim.
[52] A Justiça de Deus apresentada nos evangelhos não é um apelo que somente denuncia, exige e condena, mas primeiramente é um encontro com o Deus amor, por meio do perdão e da misericórdia. A justiça se identifica com o amor de Deus e, por isso, consegue destruir o mortal império do pecado. Isto é, justiça é também anúncio do novo, realizado por meio do amor. Um novo Pentateuco, uma nova Torá, uma nova direção a seguir. Uma Lei plena, plenificada por Jesus. SELLA, Adriano. Ética..., p. 145.
[53] KARL KETELGE apud SELLA, Adriano. Ética..., p. 122.
[54] Cf. MARTINS BALANCIN, Euclides. História do Povo de Israel. São Paulo: Ed. Paulinas, 3ª ed. 1999., p. 158.
[55] Cf.GUTIERREZ, Gustavo. O Deus...,, p. 140.
[56] Cf. Isidoro MAZZAROLLO, Lucas – A Antropologia da salvação. Porto Alegre: Ed. Mazzarollo, 1999., p. 144.
[57]Cf. Ibid., p. 101.
[58] SOBRINO, Jon., Jesus, O Libertado..., p. 114.
[59] Cf. CORREIA JUNIOR, João Luiz. Evangelho de Marcos Boas Novas para o Novo Milênio. Estudos Bíblicos n. 64. Petrópolis: Ed. Vozes, 1999., p. 72.
[60] Cf.VIDAL. Marciano, Ética Teológica., p. 112.
[61] Cf. SILVA, Airton José da. Ele caminha à vossa frente. Estudos Bíblicos n. 22. Petrópolis: Ed. Vozes, 1989.,p. 51.
[62] VIDAL, Marciano. Ética Teológica..., p. 77.
[63] Cf. BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador., Pp. 76 e 74.
[64] Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1992., Pp. 718 a 719.
[65] DUQUOC, Christian. Cristologia – Ensaio dogmático II – O MESSIAS. São Paulo: Ed. Loyola, 1980., Pp. 151 e 152.
[66] Cf. TAVARES, Sinivaldo S. OFM, Cruz de Jesus e o Sofrimento no Mundo. Petrópolis: Vozes, 2002., pp. 117 a 119.
[67] Ibid, p. 118.
[68] BLANK, J. Renold. Escatologia do Mundo – Projeto cósmico de Deus. Escatologia II. São Paulo: Paulus, 2001., p. 316.
[69] Cf. Ibid., p. 316.
[70] Ibid. p. 322.
[71] Cf. DUQUOC, Christian. Cristologia..., p. 152.
[72] FABRIS, Rinaldo. Jesus de Nazaré. História e Interpretações. São Paulo: Ed. Loyola, 1988., p. 272.
[73] FABRIS, Rinaldo. Jesus de Nazaré..., p. 218.
[74] Cf. TAVRARES, Sinivaldo. S. Cruz de Jesus..., p.120.
[75] Ibid., p. 68.
[76] “Dado o significado da escolha dos dozes no projeto de Jesus, compreende-se que ela se reja por todo rigor e integridade da adesão religiosa. Em algumas cenas paradigmáticas, a palavra de Jesus define a fisionomia do discípulo: um homem livre de falsas seguranças, dos vínculos do parentesco, sem nostalgia nem regressões (Mt 8, 18-22 // Lc 9, 57-62). A adesão incondicional que Jesus exige dos seus discípulos só encontra correspondência no estatuto religioso dos membros do povo de Deus chamado a seguir a Deus de coração integro. A radicalidade das exigências postas como condição para o seguimento exprime, por um lado, a excepcional autoridade de Jesus e, por outro, a urgência da sua missão de anunciar o reino de Deus. Outro traço característico da identidade dos “discípulos” de Jesus é a plena participação no seu destino, como conseqüência lógica da ralação pessoal e irreversível que fundamenta a vocação.” FABRIS, Rinaldo. Jesus de Nazaré, História e interpretações, p. 139.
[77] BOFF, Leonardo. Jesus Cristo..., p. 343.
[78] Cf. TAVARES, Sinivaldo S. A Cruz de Jesus..., p. 69.
[79] SOBRINO, Jon., apud. TAVARES, Sinivaldo S. A Cruz de Jesus..., p. 70.
[80] Cf. BOFF, Leonardo., apud. A Cruz de Jesus..., p. 70.
[81] TAVARES, Senivaldo S. A Cruz de Jesus..., p. 71.
[82] COMBLIN, José. Jesus Cristo e a sua Missão. Tomo I. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985., p. 193.
[83] PONTHOT, Joseph. A Ressurreição de Cristo, Acontecimento, Mistério, Catequese. Petrópolis: Ed. Vozes, 1971., p. 62.
[84] BLANK. J. Renold. Escatologia do mundo..., p. 364.
[85] Cf. Ibid. Escatologia do mundo..., p. 369.
[86] LIBANIO, J. B. & BINGEMER, Maria Clara. A Libertação na História – Escatologia Cristã. Vol. 10. Petrópolis, Ed. Vozes, 1985., Pp. 192 e 189.
[87] Bíblia de Jerusalém: O estabelecimento do reino messiânico ainda parece aos apóstolos uma restauração temporal da realeza davídica (At 1, 6h. // Mt 4, 17).
[88] Cf. BOFF, Leonardo. Igreja Carisma e Poder. Petrópolis: Vozes, 1992., Pp. 191 e 192.
[89] CERFAUX, Lucien O Cristão na Teologia de Paulo. Edição Teológica. São Paulo: Paulus, 2003.,p. 442.
[90] CULLMANN, Oscar. Das origens do Evangelho. A Formação da Teologia Cristã. São Paulo: Fonte Editoral 2ª ed. 2004., Pp. 109 e 108.
[91] Cf. COMBLIN, José. O Deus que liberta seu povo. O Espírito Santo e a sua libertação. Petrópolis: 9ª ed. Vozes, 1987., p. 9.
[92] Cf. Ibid. CERFAUX, Lucien. O Cristão na Teologia..., p. 135.
[93]O caráter temporal único do fundamento constituído pelos apóstolos, recorre ao princípio da sobrevivência deles nos escritos apostólicos. Escreve ele: “Não é um preconceito confessional que nos leva a afirmá-lo: trata-se exclusivamente do modo como o cristianismo primitivo compreendia o apostolado. Hoje, nos meados do século XXI, estes escritos fazem-nos encontrar a pessoa dos apóstolos, a de Pedro, o primeiro deles: eles continuam, e ele continua – assim a sustentar o edifício da Igreja. (Saint Pierre, disciple-apôtre-martyr, Neuchâte, p.. 199, ano 1952 ). Cf. CULLMANN, Oscar., apud. CERFAUX, Lucien. O Cristão na Teologia..., Pp. 136 e 137.
[94] COMBLIN, José. O Espírito no mundo. Petrópolis: Vozes, 1978., Pp. 54, 67, 66.
[95] Cf. Ibid., Pp. 69 e 71.
[96] Cf. Ibid. COMBLIN, José. O Deus que liberta seu povo..., p. 228.
[97] Cf. KARL H, Neufeld. Os problemas em perspectivas de TEOLOGIA DOGMÁTICA. São Paulo: Loyola, 1993., p. 193.
[98] Ibid, p. 93.
[99] Ibid. KARL H, Neufeld. Os problemas..., Pp. 194 e 195.
[100] Cf. JOÃO CRISOSTOMO apud. SELLA, Adriano. Ética da Justiça., p. 160.
[101] SELLA, Adriano., p. 162.
[102] Cf. Ibid, p. 165.
[103] Cf. Ibid., Pp. 169 a 173.
[104] Cf. Ibid.,, Pp. 212 e 213.
[105] Ibid., p. 255.
[106] Cf. Ibid., p. 256.
[107] Compendio do Vaticano II – Constituição Dogmática Lumem Gentium – Sobre a Igreja. Petrópolis: Vozes, 1983., n. 1.
[108] Compendio Vaticano II: Decreto “Unitatis Redintegratio”. Ecumenismo., nº 765
[109] Cf. MUÑOZ, Ronaldo. Evangelho e Libertação na América Latina..., Pp. 89 a 91.
[110] Cf. Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo. Gaudium et Spes., nn. 12 a 32 .
[111] SELLA, Adriano, Ética da justiça, p. 286
[112] SEGUNDO, Juan Luiz. O Dogma que liberta. Fé Revelação e Magistério Dogmático. São Paulo: Paulinas, 1991., p. 369.
[113] HORTAL, Jesus. S.J. Os Sacramentos da Igreja na sua Dimensão Canônico-Pastoral. São Paulo: Loyola, 1987.,p. 21.
[114] Cf. Ibid, p. 21
[115] CESAR COSTA, Paulo. Sacramentos e Evangelização. São Paulo: Loyola, 2004., p. 73
[116] Ibid., p. 73.
[117] FERLAY, Philippe. Jesus nossa páscoa. Teologia do mistério pascal. São Paulo: Paulinas, 1978., p. 227.
[118] Ibid, Pp. 227 e 228.
[119] LÓPEZ, Juan Fernando. Pobres Sacramentos? !. Os Sacramentos no Dinamismo do Seguimento de Jesus presente no pobre. São Paulo: Paulinas. 1995., Pp. 80 e 81.
[120] Cf. COUTO, Marcio A. & BOGAZ, Antonio S. Ritualidade: O Selo de um pacto. Revista Espaços: Ritos e História: Os traços do mistério. São Paulo: ITESP, 2004 – 12/2., p. 180.
[121] MARTINS BALANCIN, Euclides. História do povo de Israel. São Paulo: Paulinas, 3ª ed. 1989., p. 152.
[122] MAZZAROLLO, Isidoro. Lucas - A Antropologia da Salvação. Porto Alegre: Editora Mazzarollo, 1999., p. 144.
[123] Cf. BETZ, Johannes. A Eucaristia: Mistério central. In Misterium Salutis IV/5 A Igreja. Petrópolis: Vozes, 1972., pp. 8 a 24.
[124] Cf. OLIVEIRA SOUZA, Antonio Carlos de. A Ceia do Senhor e Compromisso Social. Revista Espaços. Ritos e Histórias: O traço do mistério. São Paulo: ITESP, 2004 – 12/2., p. 140.
[125] Cf. MAZZAROLLO, Isidoro. Lucas – A Antropologia...,, p. 101.
[126] Cf. OLIVEIRA SOUZA, Antonio Carlos de. A Ceia...,, p. 142.
[127] Cf. ADAZÁBAL, José. A Eucaristia. Petrópolis: Vozes, 2000., p. 44.
[128] MAZZAROLLO, Isidoro. A Eucaristia: Memória da Nova Aliança Continuidade e Ruptura. São Paulo: Paulus, 1999., p. 123.
[129] Cf. Op. Cit. SILVA, Airton José da.. Ele caminha à vossa frente., p. 51.
[130] MAZZAROLLO, Isidoro. Lucas – A Antropologia da Salvação., p. 61.
[131] Ibid., p. 61.
[132] Id. Eucaristia: memória da Nova Aliança..., p. 117.
[133] Ibid. MAZZAROLLO, Isidoro. Eucaristia..., p. 112.
[134] ADAZÁBAL, José. A Eucaristia., p. 40.
[135] Cf. BOFF, Leonardo, Do lugar do pobre. Petrópolis: Vozes, 1984., p. 112.
[136] TAVARES, Sinivaldo S. Eucaristia: Pluralidade de Dimensões na unidade do Mistério, Petrópolis: Vozes, Revista Eclesiástica Brasileira (REB) Fasc. 252 – outubro, 2003., pp. 823 e 824.
[137] Cf. Documento do XIX Congresso Eucarístico Nacional. EUCARISTIA: Fonte da Missão e Vida Solidária. São Paulo: Paulinas, 2002., p. 73.

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