sábado, 24 de janeiro de 2009

Trindade e Reino de Deus

INSTITUTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA PAULO VI
Disciplina: O Deus da Revelação
Professor: Pe. Antonio Melo
Aluno: Antonio Araujo

1. A Criação do Pai

O teólogo J. Moltmann, apresenta este trabalho referente à Criação, a partir de sua doutrina, na qual trata a questão da criação do mundo diretamente como uma realidade ligada a Deus.
O primeiro ponto, ele, parte do princípio da “Contingência do Mundo”. Isto é, nesta perspectiva o teologo expõe, um questionamneto que para muitos se torna obrigatório a fazer esta pergunta: A Criação do mundo é para o próprio Deus necessária ou apenas alegoria? Procede ela da essência divina ou da sua vontade? Ela é eterna ou temporal?
Para responder tais perguntas, o teólogo Moltmann descreve em quatro pontos este ensaio teológico que possibilita fundamentar a necessidade ou não da caiação do mundo por Deus:

1. O teísmo cristão:
A criação como sendo apenas a obra livre da vontade de Deus. Essa teoria atribui a Deus uma liberdade absoluta; Deus não precisou criar o mundo. De acordo com essa visão teológica, não há nenhum motivo interior e nenhuma coação exterior, pois Deus basta-se a si mesmo. Mas “foi do seu agrado” criar o mundo, para nele encontrar “complacência”.

2. O teísmo cristico:
Embasa a criação na decisão livre da vontade divina, deve portanto recorrer a essência de Deus, para evitar a aparência de uma arbitrariedade em Deus: mesmo que Deus crie o que quer, cria porém somente o que lhe corresponde.

3. O panteísmo cristão:
Ao contrario do anterior, essa teoria parte da essência divina: A criação é fruto da saudade de Deus pelo “seu outro”, e pela sua livre correspondência ao amor divino. O teólogo Moltmann, relaciona essa doutrina aos princípios da Criação de Ricardo de São Vitor, desenvolvida como doutrina do amor divino, em De Trinitate.
Para essa doutrina, Deus não poderia ser feliz no eterno auto-amor, pois o desprendimento pertence a essência do amor. Com isso, Deus e desde toda a eternidade é amor participativo. Nesta dialética há um amor incondicional entre as três pessoas divinas. O Pai ama eternamente o Filho, e o Filho corresponde ao amor do Pai igualmente eterno.

4. A teologia especulativa do séc. XIX.
Ela incorporou e afirmou pensamentos místicos, no sentido de que é da essência divina revelar-se e comunicar-se.
Para essa teologia, Deus, por necessidade essencial e em virtude do seu amor, abre-se ao “outro”, o mundo, e somente em virtude da correspondência desse amor alcançaria a sua perfeição. Neste caso, se a essência de Deus é o bem, então a liberdade da sua vontade consiste em desejar esse bem. A perfeição do mundo. E Ele é o libertador da criação.

2. A autolimitação.

O teologo Moltmann, apresenta uma segunda questão pouco tratada na teologia cristã, porem muito discutida na tradição judaica cabalística. È a idéia da criação para fora e da criação para dentro.
Segundo os modelos tradicionais da criação, o relato sacerdotal, a teologia distingue como sendo; a criação como uma obra de Deus para dentro e para fora. A criação é uma ação do Deus uno e trino, em sua unicidade dirigida para fora. A criação para Deus é vista no próprio ato de criar sob o olhar da encarnação e redenção. Já a vida intima de Deus só tem significado como fundamento para sua atuação para fora.
Enquanto, a relação trinitária entre Pai, o Filho e o Espírito Santo é tão abrangente que nela toda criação pode encontrar espaço, tempo e liberdade.
Portanto, o processo do mundo, deve ser entendido no seu duplo aspecto, diz o autor:

• Cada estágio no movimento da criação envolve a tensão entre a luz refluente entre Deus e a luz que dele se irradia. Isto é cada ato, para fora é precedido de um ato para dentro, que possibilite o externo .

Deus cria na medida em que, e porque, se retrai: A criação poderosa no caos, e a partir do nada, é igualmente um auto-rebaixamento de Deus, em sua própria impotência. A criação é uma obra da humildade divina e do recolhimento de Deus para dentro de si.
De outro modo, a fé cristã ao voltar os olhos para o “começo da criação”, já percebe a presença do Espírito Santo, como Espírito criador. Por isso, também, descobre a fé cristã que toda criação geme e suspira pela revelação da liberdade dos Filhos de Deus. É o Espírito de Deus que, na criação oprimida, clama pela liberdade salvadora. (Rm 8, 9s)
No entanto, Deus retrai-se em si mesmo, para poder sair de si. A eternidade inspira, para poder expirar o Espírito da vida.

3. A Criação trinitária.

O teologo, para falar dessa dimensão criacional, a partir da ação trinitária, lança uma pergunta.

- Qual é a configuração intratrinitária que se pode reconhecer em Deus na criação do mundo por obra divina?

A resposta parte da abertura do Pai para o “outro”.
O Pai, em seu amor pelo Filho, define-se como criador do mundo. Ele é criador, porque ama seu Filho. O seu amor, que se comunica com o seu igual, abra-se para o outro, e passa a ser criativo, isto é, antecipa-se a qualquer possível correspondência. Então se o Pai, em seu amor pelo filho, cria o mundo, cria também o mundo por meio dele. Neste aspecto, amor filial, o Pai visando à comunhão com seu Filho, é que cria os homens. Pois, sendo o Filho destinado a ser o Logos, o mediador da criação, então também está determinado para ser o “centro” da humanidade livre, ou seja, explica Moltmann, pela encarnação, como guia e senhor do reino de liberdade. Neste caso, tendo como ponto de vista trinitário, da intermediação do Filho na obra da criação, esta mediação está em correlação com o pensamento da encarnação do Filho em Deus e do pensamento do domínio do Filho do homem.
O teólogo Moltmann, quando apresenta essa realidade, sobre a questão da criação trinitária ele, enfoca participação ativa de Deus pelo amor incondicional pelo Filho, onde pela comunhão e na correspondência do amor retribuído e devotado do Filho para com o Pai, a criação alcança sua verdade e imagem semelhança de Deus sobre a terra, e nela chega a sua liberdade. Portanto, o Pai, cria o mundo através do Filho, pela força do Espírito Santo, que é “derramado”. Esse Espírito é o sopro divino da vida que com sua vida preenche tudo.

4. A encarnação do Filho

Aqui o autor, abordará os aspectos da doutrina da encarnação que se relaciona com o conceito de Deus.

1. “Cur Deus homo”
A pergunta que surge nesta doutrina é:
A encarnação para Deus é casual ou necessária? Vontade ou natureza?

A tradição dogmática reconhece duas respostas:

a) A encarnação do Filho de Deus foi necessária por causa dos pecados dos homens, para a sua expiação.
b) A encarnação do Filho de Deus esteve desde toda eternidade presente na mente divina e concebida conjuntamente com a idéia do mundo, mas tendo-lhe primazia, de tal sorte que a criação do mundo representa o quadro exterior e preparatório da encarnação.

O teólogo Moltmann, vê na apresentação da primeira síntese dogmática da encarnação uma “medida de emergência” adotada por Deus para preencher a lacuna do pecado do mundo.
Já na segunda, ele, o teólogo a coloca na perspectiva do amor comunicativo de Deus, que sai de si e vai ao encontro do “outro”.
Neste contexto de encarnação podemos perceber a ligação humano-divina em Cristo que cessa ao completar-se a obra da reconciliação. Dando assim, o coroamento da primeira fase da criação mediante a nova ligação humano-divina instaurada por Cristo. A encarnação do Filho, então constitui o fundamento da nova criação.
Em termos cristológicos, o teólogo, apresenta a encarnação do Filho de, como uma representatividade perfeita da autocomunicação do Deus, uno e trino com o seu mundo. Como também, a encarnação do Filho é um prolongamento até a morte e morte de Cruz que perpassa à Ressurreição, para que haja a redenção e salvação do mundo pervertido pelo pecado.

5. A “Kenosis” de Deus

Este contexto, o teólogo, apresenta a encarnação do Filho, como o lugar onde se encontra o sentido do ser humano-divino verdadeiro. Assim sendo, nele se revela a verdadeira humanidade de Deus.
Não se trata de uma expressão verbal antropomórfica à inadequada divindade de Deus, mas sim da própria substância da sua divindade.
Isto leva, a percepção de uma clara natureza divina, pois, Deus permite que exista em si um ser diferente dele. Ele deixa o seu mundo existir dentro de sua eternidade. Assim, para o teólogo, a “Kenosis” divina que começa com a criação do mundo, chega a sua forma perfeita e completa na encarnação do Filho.
O fazer-se homem para fora, pressupõe uma auto-humilhação para dentro. Nessa ação, a encarnação afeta intimamente as relações intratrinitária. Pois, Deus não vem ao encontro do homem “divinamente”, mas humanamente, conclui o teólogo.

6. O Filho unigênito, o irmão primogênito.

Para o teólogo Moltmann, essa dupla nomenclatura, tem cada uma o seu significado próprio:

a) O Filho unigênito:
É o único, o próprio, eterno Filho do Pai. Enviado, e o entregou a morte de cruz “por todo”, que ressuscitou e o exaltou.
Também se refere ao nível de exclusividade. Ele, somente ele, um por muitos.
b) O irmão primogênito:
A relação com o conceito de EIKON, imagem e semelhança: Protótipo dos irmãos e irmãs que estão com ele na comunhão – com o menor dos irmãos - com o Pai.
(Mt 25)

7. Encarnação Trinitária

A encarnação trinitária para Moltmann, é a onde se encontra \a inteira participação do Deus, uno e trino. Aqui o Pai ganha um duplo objeto do seu amor: O Filho e sua imagem e semelhança. Nisso, diz, o teólogo; o Pai experimenta uma dupla correspondência ao seu amor:

• A correspondência natural do Filho,
• A correspondência livre da sua imagem, a única do Filho e a múltipla dos irmãos e irmãs do Filho.

8. A transfiguração do Espírito

Neste ponto abordado, o teólogo trata da questão pneumatolgica, de acordo com os conceitos que em si trata da ação do Espírito Santo.

1. A Ressurreição e a infusão do Espírito

Segundo os Evangelhos, no período pré-pascal a atuação do Espírito se concentrava claramente e de modo exclusivo em Jesus. Este prega e atua pela força do Espírito. Já os apóstolos, não agem pela força do Espírito. Diz, o teólogo, que estes só conhecem essa força impulsionadora após a Páscoa (Jo, 7 39). “Por isso ainda não fora dado o Espírito, porque Jesus não tinha sido glorificado”.
A ressurreição do crucificado precede ao universal derramamento do Espírito. A partir desse momento, inaugura-se o tempo escatológico. De acordo com o Evangelista Lucas; em Pentecostes (At 2), se realiza a promessa de Joel (Joel 2) relativa a historia da salvação. Paulo, explica em suas cartas que esse evento em si tem perspectiva cristológico: Jesus foi ressuscitado “pelo Espírito” (Rm 8, 11). O Espírito é o poder de Deus de ressuscitar os mortos (1Cor 6, 14). Ele é a força divina da criação. Se Jesus foi ressuscitado pelo Espírito, então é evidente que Ele ressurgiu no Espírito.
Com iss, o ressuscitado dá o Espírito Santo, e envia os discípulos pelo mundo, como o Pai o enviou (Jo 20, 21). Por meio do ressuscitado, Deus derrama o Espírito Santo (Tt 3, 5).
A partir do NT, apresenta o teólogo, o Espírito Santo é chamado de Espírito de Deus. (Rm 8, 9. 11. 14; 1Cor 2, 11. 14). Ele “vem do Pai”, “procede do Pai”, “é enviado pelo Pai” (Jo 15, 26; 14, 26; 1Jo 4, 1). Também as cartas apostólicas, o apresentam como; “Espírito de Cristo”, “Espírito do Senhor”, ou ainda o “Espírito do Filho” (Fl 1, 19; 2Cor 3, 17; Gl 4, 6).

2. O inicio da Glória

No Espírito, já se experimenta o que ainda está ausente.
O tempo messiânico instala-se onde as forças e as energias do Espírito de Deus descem sobre todas as carnes, reavivando-a eternamente. Por isso, afirma o teólogo, que na atuação do Espírito, tem-se a experiência da renovação da vida, da nova obediência e da nova comunidade dos homens.
A experiência escatológica do Espírito caracteriza-se pela liberdade sem limite, e a alegria exuberante e o amor inesgotável. No Espírito, canta-se o “Cântico Novo”.

3. O Espírito como sujeito

Quando é designado como Espírito de Deus ou como Espírito de Cristo, ele representa “força ou poder”, cujo sujeito é Deus ou Cristo.
Por outro lado, existem enunciados, afirma o teólogo, que levam a conhecer o Espírito Santo como um sujeito autônomo de ações. E que nesse sentido, então, é que se justifica a designação do Espírito Santo como uma pessoa divina. Na medida em que o Espírito Santo renova os homens, aciona a nova comunidade solidária e liberta o corpo da morte, ele glorifica o Senhor ressuscitado e por ele o Pai. Essa glorificação do Pai pelo Filho, no Espírito, é a perfeição da criação, na Trindade.
Com isso, o sujeito, do Espírito Santo está contido em sua própria ação.
Ele é o glorificador.
Ele é o unificador.
Ele é o santificador.

4. Glorificação trinitária

Para finalizar, essa reflexão sobre a Trindade e o Reino de Deus, o teólogo Moltmann, propõe duas ordens na Trindade que podem reconhecer a sua manifestação:

a) Derramamento do Espírito.
Sobre os homens, o Espírito provém do Pai através do Filho.
O Filho pede o envio do Espírito.
Ele intermedeia a vinda do Espírito.
Ele confere-lhe o caráter do Espírito da adoção.

b) Na Glorificação:
Aqui toda a atividade parte do Espírito.
Ele promove a criação.
Ele opera a glorificação de Deus mediante o louvor e o testemunho da nova Criação.
O Pai recebe do Espírito a sua honra e a sua glória, bem como a unificação com o seu mundo. Temos “acesso ao Pai” (Ef 2, 18), no Espírito através de Cristo.
Portanto, o movimento trinitario, porém, de unificação do Espírito, pelo Filho, junto ao Pai é “uma obra para dentro”, um movimento no seio da Trindade, em todavia, em virtude daquela abertura da Trindade no envio do Espírito, toda a criação é acolhida.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Fernando Guedes de Mello, OM* - Serpente

Coloquei esse texto sem a premissão do autor, mas acredito que por uma publicação onde todos possam apreciar, autores conscientes permitem. É um texto fascinante e muito inteligiente no oque se refere a fé ao mito da Serpente..... Na fé semitica e na fé judaico-cristã.
Antonio Araujo.



"Todos nós sabemos que o Sr. Deus fez o homem à sua imagem e as imagens se encontram em espelhos. Os espelhos invertem tudo, de trás para a frente ou da esquerda para a direita. As imagens são coisas “de menos”. Então, concluindo, o Sr. Deus está e sempre esteve num lado do espelho, o lado “de mais”. Nós estamos do outro lado do espelho, estamos do lado “de menos”. Já devíamos ter percebido isso antes. Quando a mãe põe no chão a criança que está aprendendo a andar e se afasta alguns passos, ela faz isso para encorajar o filho a caminhar até onde ela está. Assim faz o Sr. Deus. O Sr. Deus nos coloca no lado “de menos” e nos convida a caminharmos até o lado “de mais” do espelho. Como se vê, ele quer que sejamos como ele (Extraído de “Alô Sr. Deus, aqui é Anna”, de Fynn).
A narrativa dos capítulos 2 e 3 do Gênesis é do domínio público, versa sobre a aventura de primeiro casal humano no jardim do Éden e o papel da serpente na mudança de rumo de suas vidas e, por tabela, nos destinos da humanidade. Já comentamos anteriormente que se trata de uma estória e não de história. Resumidamente, o homem e a mulher viviam numa situação paradisíaca e, dotados dos chamados dons preternaturais, não conheciam a morte. Para se manterem nesse estado, podiam comer da “árvore da vida”, mas não da “árvore do conhecimento do bem e do mal”. Eis que surge a serpente, induz a mulher a provar do fruto proibido e a dá-lo como alimento ao seu companheiro. As conseqüências não se fazem esperar e Deus amaldiçoa-os e expulsa-os do jardim do Éden. Fim da estória.
Ao longo dos séculos, os teólogos do velho paradigma cavaram uma trilha interpretativa que acabou inibindo outras hermenêuticas sobre o episódio. Segundo eles, a serpente é Satanás, Adão e Eva caíram em pecado e arrastaram em sua queda a humanidade e toda a criação. Com isso pretendiam explicar como o mal introduziu-se no mundo e salvar a face do Bom Deus, que teria de intervir então em sua própria obra, para salvar-nos do mal. Mas como se trata de uma narrativa mítica e não histórica, comporta outras versões.
Aqui vai uma: em nenhum momento da narrativa está dito que a serpente é o demônio e sim que se trata “do mais astuto dos animais” (Gn.3,1). A serpente é símbolo da sabedoria em diversas tradições, inclusive no Evangelho (Mt.10,16), a responsável pelo despertar de uma nova consciência. Não foi à toa que a serpente procurou primeiro a mulher, mais dada a intuições. Somente a intuição pode romper com as normas estabelecidas e inaugurar novas abordagens da realidade. É ela que permite grandes saltos no tratamento de questões complexas; ao contrário da abordagem racional, passo a passo, mais própria do homem. A serpente, sábia que era, procurou Eva (a intuição) e não Adão (a razão) para alcançar seu objetivo.
Aliás, o que há de reprovável em adquirir o conhecimento do bem e do mal? Depois de Adão e Eva terem comido do fruto proibido, Deus mal disfarça sua admiração: Eis que o homem se tornou como um de nós (Gn.3,22). Se não tivesse havido a “queda”, o homem continuaria a ser o macaquinho feliz que era, alimentando-se só da árvore da vida. Ao provar do fruto proibido inaugura um novo nível de consciência e , portanto, de ser, capaz de atingir a autoconsciência e de resgatar a árvore da vida num novo patamar. A interdição da árvore da vida (Gn.3,24) refere-se ao nosso instinto animal, cuja energia deverá ser redirecionada então, tornando-nos progressivamente mais racionais, intuitivos, criativos e conscientes.
Como nunca existiu um paraíso terrestre, historicamente falando, é na própria história que o homem está sendo submetido a provas. Possuidor de livre arbítrio (Gn.2,15-17), capaz de nomear (Gn.2,18-20) e de discernir entre o bem e o mal (Gn.3,22), saiu pelo mundo afora (Gn.3,23) para testar seus novos poderes. A própria “expulsão” deve ser interpretada como um atestado de maturidade, como “expulsamos” nossos filhos de casa, quando iniciam vida profissional ou se casam. A própria percepção do primeiro casal de sua nudez (Gn.3,7) indica uma maior consciência de si, inclusive de seus corpos e da morte. A mesma expressão “abriram-se-lhe os olhos” foi também usada no episódio de Emaús (Lc.24,31) para indicar que aqueles discípulos haviam ganho uma nova consciência do mistério de Cristo. Também o “esconder-se” (Gn.3,9-10) pode ser visto como uma reação inicial de recuo diante do novo desafio lançado ao homem.
Finalmente, a maldição lançada à serpente: Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre sua linhagem e a dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar (Gn.3,15). A serpente, símbolo da sabedoria, manifesta-se por etapas na vida dos homens. Numa etapa primordial, prevalece a “árvore da vida”, nossa herança animal. Na etapa seguinte, a da “árvore do conhecimento do bem e do mal”, despertamos para o racional, início da jornada propriamente humana. A partir daí, temos de desenvolver a racionalidade, preparando-nos para o despertar da intuição, representada na mulher. Quando a atingirmos, “esmagaremos a cabeça da serpente”, transpondo a fase da racionalidade, o que não se dará sem lutas. Nesse ínterim, podemos esperar que a serpente nos fira o calcanhar, ferimento menor, se comparado com o esmagamento de sua cabeça. Em outras palavras, a descendência da mulher – a intuição – acabará por prevalecer sobre a descendência da serpente – a razão.
* Engenheiro, teólogo, praticante de yoga e meditação, e autor do livro “Reencontro Cristão: Reflexões para o Cristianismo do Terceiro Milênio”, Editora DP&A; tel.: (031) 3285-2378; email: mello@task.com.br"